“ Estamos a fazer-lhe o mesmo ou pior do que ela
nos fez a nós! “ A minha irmã que nem é de choradeiras, chorava baba e ranho. “
Eu estive lá e vi!” – continuou. “Eu estive lá e vi como as vizinhas falam
dela, a nossa mãe é vista como a maluquinha lá do sítio”. Chorei eu também.
Chorei porque ainda havia tanta revolta em mim, tantas mágoas de um passado difícil
de esquecer, de perdoar. “ Que queres que a gente faça?” – Perguntei-lhe ainda com
a revolta nos lábios; “ela é que quis assim” - continuei eu na minha teimosia. A minha irmã que nunca
se deu por vencida apenas me disse: “ Quero que faças diferente do que ela te
fez a ti. Quero ser melhor do que ela, e quero que tu também sejas!” As palavras dela ainda ressoam nos meus
ouvidos : “ que faças melhor do que te fizeram a ti ”. E é isso que se pede aos
filhos, não foi assim que a humanidade
evoluiu? Foi a fazer melhor. Acusar, toda a gente acusa: “ tu fizeste isto, tu
aquilo” ou “ O meu pai fez-me isto, a minha mãe aquilo” como que a justificar a
cobardia de os deixarem entregues à sua sorte. Já lá vão mais de dez anos. “ “A
sua mãe tem demência precoce, se a deixar internada na instituição é como se
não tivesse família”; mais de dez anos
se passaram desde a indecisão,” vou
fazer melhor?” Era grande a tentação de virar as costas, tínhamos razões de
sobra para o fazer, mesmo o mano não se cansava de dizer: “ para mim ela não
existe, não a considero minha mãe”. E hoje, ah! Como hoje mudou o discurso,
como hoje depois da vida pregar as partidas que tanto gosta de pregar já diz lá
do estrangeiro para onde emigrou: “ manda um beijo à cotinha, diz-lhe que a amo
do fundo do coração”. E se ela fica feliz! É que apesar de todos os
esquecimentos, das memórias que se apagaram ela não se esqueceu do seu menino.
Ela errou. Eu erro. Todos erramos, mas não podemos virar as costas uns aos
outros. Abandonamos o barco com tanta facilidade quando as coisas não correm
como nos dá jeito. E não perdoamos.
Perdoar os outros é também perdoarmo-nos a nós com mais facilidade. É isso que
tenho aprendido ao cuidar dela. E se é difícil! É a comida passada, na
temperatura certa, é estar sempre disponível, ter alguém sempre dependente de
nós para tudo, não poder viajar, não ter um dia para não fazer nada… São os
maus odores, as maleitas, as feridas; eu sei lá! Mas tomei uma decisão: tentar
fazer melhor. É isso que me apetece dizer aos filhos que abandonam os pais porque estes lhes fizeram isto ou aquilo; agora é a vossa vez, façam melhor. Acaso no lugar
deles, com os recursos deles, fariam vocês melhor? Estamos todos no mesmo
barco, no entanto, à primeira tempestade, em vez de ajustarmos as velas,
saltamos para outro e abandonamos aquele à deriva, só que com esta estratégia
nunca aprendemos a navegar em mar alto e perdemos a capitania do nosso próprio
destino.
Maria João Varela