Toca o sino, mia o gato, viraram-me os sapatos : quem vem lá para me matar? Que incompreensão, quem me irá salvar? Já não sou quem era, quem naquela esquina me
espera? Vejo ao longe alguém espreitar… quem me quer tramar? Nada é como era
dantes. Porque está tudo tão mudado, tudo fora do lugar? O céu desceu, a árvore
caiu, o mar desapareceu… e eu… saí da hibernação. É hora de lutar, todos me aguardam em loucos anseios,
vejo o sol em brasa que se vai deitar.
Não paro, não posso parar! Aguarda-me o mundo para
o salvar. Quem me levou o meu eu? Quem me roubou os sentimentos, os pensamentos,
como tudo o que era se foi… estranho mundo que mudou, quem eu era; já não sou…
foi o vento que o levou. Ponho asas e em loucura procuro o rumo, não sei se
fico, não sei se vou. Sei que foi por mim que tudo isto mudou; não há chão para
caminhar, está tudo fora do lugar, do lugar, do lugar… coisa estranha, este
vazio, tenho calor, tenho frio, estou feliz, alegre, triste, que verdade me
assiste?
Que dizes? Deliro eu? Quem és tu? De onde vens, porque
vieste? É que este espaço é meu, tudo é meu, tudo é meu, meu, meu…vejo atrás daquela porta alguém
para me matar, quem me salva deste inferno? Deste agror, deste temor. Verto
sangue, verto dor, quem me levou o meu eu, eu, eu… estereotipias verbais? Que dizes? Estarás louco? Vou-me, o mundo espera para
que eu o vá salvar.
Devolvam-me os pensamentos! Devolvam-me os
sentimentos! Quero voltar a ser eu. Quero o mundo como sempre: céu azul, céu
cinzento, cores garridas nas janelas; quero a árvore erguida, o sol no mesmo lugar;
foi-se a lua foi-se tudo. Quem me quer voltar a matar? Já morri, apodreço… tudo
fora do lugar… toca o sino, mia o gato, viraram-me os sapatos, sapatos, sapatos…
vem alguém para me matar, quem me devolve ao meu lugar?