O
que temem os crentes? Por que temem que os ateus escrevam, pintem, façam
desenhos dos seus deuses e paizinho de santo ? Toda esta discussão em torno do
Charlie Hebdo levou-me a questionar isto? O que temem?
É
preciso respeitar crenças alheias, respeitar pretos, brancos, amarelos,
vermelhos… todos menos os ateus. O ódio pelos ateus, o desejo que ardam no
inferno – pobres criaturas descrentes – é maior do que o ódio pelos jihadistas
que cometem atentados todos os dias, é maior o ódio pelo humor com que os ateus-
e crentes moderados- se divertem do que pelas kalashnicovs, é maior o medo dos
desenhos do que das ameaças dos fanáticos terroristas… Paradigmático disto é o facto de ainda as
vítimas do atentado ao jornal satírico não estarem debaixo da terra e já circular por aí a notícia do diretor do jornal Charlie Hebdo ter
despedido um cartoonista por não gostar dos desenhos dele, como se liberdade de
expressão tivesse de ser escrever sobre tudo, fazer caricaturas de tudo:
liberdade de expressão é poder exprimir o que lhe vai na alma sem medo de
represálias – sobretudo não temer pela vida…- o cartoonista despedido foi indemnizado que
é assim que as coisas se resolvem em democracia.
O
respeito por todas as crenças é uma treta; é mais como um acordo tácito: eu não
me meto nas tuas crenças para que não te metas nas minhas, não questiono as
tuas irracionalidades para que não questiones as minhas. O que acontece é que
os ateus estão fora desse acordo tácito e gostam de questionar, abanar as
estruturas da fé e quando essa estruturas são fracas os “falsos” crentes
ofendem-se. Não me lembro de nada em que tenha fé e que seja facilmente abalada
espezinhada, manchada como os crentes parecem acreditar que os ateus são
capazes de fazer aos seus deuses e santos padroeiros. Não respeitam as crenças,
não, têm medo; só isso…Têm medo de ver abalada a sua fé.
A
liberdade de expressão passou a ser o tema mais discutido da semana e em vez de
se condenarem os ataques e os seus perpetradores passaram-se a condenar as
vítimas; as mesmas que com as suas lutas, o seu “meterem-se a jeito”, a sua “cabeça
dura”, a sua falta de comodismo, a sua
não subjugação ao medo propiciam que os
outros continuem com as suas banalidades… Foi com heróis destes que nós
evoluímos para uma sociedade onde tanto falta ainda fazer em matéria de
liberdade – como tantos vieram apontar – mas, em vez de lutarem para que haja
ainda maior liberdade o que fazem é tentar diminui-la. Vejam por essas redes
sociais afora aquilo com que as pessoas ficam ofendidas – a mim chamaram-me
xenófoba – e pensem se gostariam de ver as vossas liberdades de expressão
limitadas por eles.
Temos
de ter muito respeitinho… Eu não tenho respeitinho, nem respeito por quem não
respeita os outros, por quem piamente se sente ofendida com uns cartoons que
tem de pagar para ver. Eu não respeito a hipocrisia dos que dizem respeitar
todas as crenças, cores, ideologias, mas os ateus ah, esses bem mereciam um castigo
divino! Se acreditam mesmo que Deus vai castigar os ateus deixem isso para Ele.
Também não me peçam para ter respeito por uma fé que manda que se cortem cabeças enquanto têm as suas crianças a
ver o espetáculo, não respeito igualmente a fé de quem tem de assassinar os
seus cidadãos na rua para fazer cumprir uma lei medieval ou vingar um profeta;
assim como não tenho respeito nenhuma pela intolerância de falsos pios.
Os
ateus só pedem que respeitem também os seus símbolos onde a liberdade de
expressão é dos mais basilares e fundador da própria liberdade de culto,
qualquer que ele seja. Se os crentes podem arrastar os joelhos em sangue até à
capela de nossa senhora, se podem comer uma hóstia e acreditar estarem
perdoados dos pecados, se podem acender as suas velas ou virarem-se para Meca, então, deixem os ateus ir
uma vez por semana comprar o Charlie Hebdo ou outro e dar umas boas gargalhadas
se lhes apetecer que não têm nada com isso, desde que não submetam os crentes a
lê-lo…
De
quem têm medo os crentes? Dos ateus ou jihadistas
Maria João Varela