Ao ver um programa como “ruas da
amargura” que passou na RTP 2 – aquela que vai ser sacrificada porque é a única que
impede que sejamos todos acéfalos – vive-se várias emoções distintas e
contraditórias. Já estava para me deitar pois acordo de manhã cedo, mas não me
pude impedir de continuar a ver porque fiquei presa ao drama tão humano que é o
facto de ser um sem-abrigo desprezado por (quase) todos.
Passei por vários estados de
espírito diferentes porque o documentário está, a meu ver, muito bem conseguido
pois nem se atém a passar uma mensagem de miserabilismo nem pinta de cores
agradáveis um quadro que é de uma agrura que ultrapassa a imaginação.
Numa associação livre de ideias,
sem a interferência do entrevistador, os sem-abrigo contam como foram lá parar
e o que mais me impressionou foi a extrema lucidez de alguns deles e a
aceitação da sua quota de responsabilidade na situação. Citando um deles: “ Eu estou aqui
por minha responsabilidade, quando a cabeça não tem juízo o corpo é que paga,
deixei-me levar pelo jogo…” Isto é um ensinamento para muitos dos que passam a
vida a responsabilizar os outros por tudo o que lhes acontece na vida. Na
verdade, muitos deles pareciam até mais felizes do que muitos do que achamos
terem uma vida normal, mas talvez seja só o que aparenta para quem não está
como eles sujeito a todas as vicissitudes de uma vida passada ao relento e
longe do afeto que proporciona uma vida familiar. Que alguns se mostravam bem
dispostos, é uma constatação que fui fazendo ao longo do documentário, talvez devido
ao facto de o dia já ir longo – para eles – e os copitos já irem fazendo o seu
efeito? É, muitos confessam ser o vício que lhes roubou a vida. Não nos
apressemos, contudo, a demarcarmo-nos duma eventual queda numa situação destas
não vá o “diabo” ouvir-nos e só para mostrar que tem mais força trazer-nos uma
situação que não consigamos ultrapassar.
Admiro imenso o trabalho (quase)
anónimo que fazem estes voluntários que, sem juízos de valor, vão trocando as
seringas, distribuindo preservativos, oferecendo um prato de sopa quente ou
mais uma manta, tudo objetos muito apreciados por aquelas bandas. Aprecio fundamentalmente a forma humana com
que os tratam e o respeito até pelas suas irresponsáveis atitudes como quando
recusam ajuda. Assisti também estupefacta à solidariedade com que alguns deles
se ajudam com o pouco que têm demonstrando que mesmo nas piores circunstâncias
se pode encontrar algo que escasseia por todo o lado: o altruísmo.
Uma das conclusões que se vai
tirando é que são os vícios que vão atirando muitos para a rua, cansadas as
famílias de tanto lhes tentarem pôr juízo na cabeça, mas muitos outros não
tiveram simplesmente uma ajuda num momento de maior desequilíbrio ou
suscetibilidade e isto faz pensar, pois parece muito ténue a diferença entre
ter uma vida estável ou uma vida em que se é um pária da sociedade. Vale a máxima: antes de julgares tenta compreender.
( imagem retirada da net)