Desde que me lembro sempre me
repugnou o chico esperto. Peito estofado, andar arrogante, muito dono de si,
desenrascado, bem-falante e amante do improviso. Mas, sempre senti que estava um
pouco sozinha nesta minha repugnância.
Quem já não viu este admirado
ser, rodeado de gente divertida e aprovadora para com a sua esperteza, enquanto
relata sem pejo a sua maestria que vai desde enganar o fisco até ao copianço –
sem suspeita alguma do professor – de passar à frente dos outros numa fila de
supermercado ou no acesso a uma consulta numa qualquer especialidade
hospitalar, entrar sem pagar bilhete no concerto já superlotado ou ver aprovado
um projeto por conhecer a pessoa certa no cargo certo.
Seria de esperar que depois de
enganarem o sistema – e por consequência todos nós – se privassem depois de
relatar as suas toscas aventuras, mas não; pelo contrário, relatam-nas a todos
quantos possam porque chico espertismo sem audiência não tem a mesma graça;
seria também de esperar que, nós, os enganados, de alguma forma os
reprovássemos, mas, mistério dos mistérios, achamos muito engraçado as suas
“histórias de enganar” e se vemos alguém que não tem a mesma habilidade ainda
os apontamos como modelo a seguir pelos menos habilidosos nessa arte do
desenrascanço.
Neste clima onde só não engana
quem não pode ou quem não tem habilidade é pois de esperar que quem tem cargos
de poder e tenha habilidade – se não tiver dificilmente lá chega - usufrua de tudo quanto possa e ainda se
vanglorie disso.
Quando nós formos capazes de
apreciar mais o esforço do que os resultados de alguém, quando apreciarmos mais
a honestidade do que a esperteza saloia, quando repararmos mais num sorriso
sincero do que num belo carro, quando aprovarmos as pessoas pelo que elas são e
não pelo que elas têm, aí sim , as
coisas começam a mudar, pois sem o apreço alheio, sem que alguém nele repare, sem aprovação de quem o rodeia o
chico esperto desintegra-se pois sem audiência está condenado á triste figura de um ator
decrépito sem palco.
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