O
tão idolatrado sonho americano revelou-se afinal um pesadelo e cada vez
mais pessoas acordam aliviadas relatando quão assustador ele é e quanto
prejudicou as suas vidas. A obrigatoriedade do modelo padrão da família
perfeita, com carro, casa, dois filhos – de preferência um rapaz e uma rapariga
– e um animal de estimação, além de uma conta recheada, férias num qualquer
paraíso balnear tem levado a uma frustração crescente na sociedade ocidental e
tem-se revelado fonte de falsas expectativas. A promessa da felicidade
conquistada a cada novo objeto adquirido é falsa e só o conhecimento profundo
do modo de funcionamento do nosso cérebro pode, finalmente, acordar os seres
humanos para o embuste de que têm sido vítimas e carrascos ao mesmo tempo.
Vitimas porque se sentem na obrigação de ter o mesmo que o vizinho sem que isso
lhes dê, por vezes, a mínima satisfação e carrascos porque também cada um de
nós tem a tendência de olhar de lado quem se afaste e rejeite os padrões
normais do que consideramos ser desejável.
Todos os estudos efetuados
apontam na mesma direção: apesar dos inúmeros avanços tecnológicos, educacionais, de saúde, liberdade, etc. a
civilização ocidental não está mais feliz; bem pelo contrário, aumenta o
stress, as doenças mentais proliferam, o mal estar cresce e a causa de tanta infelicidade é
desconhecida, é um inimigo não identificado, omnipresente e, além do mais injustificável.
Já todos devemos ter ouvido a frase: “ não sei que se passa comigo, tenho tudo
para ser feliz e vivo insatisfeito (a)”. Esta é a realidade nos países mais
desenvolvidos que apostaram tudo em mudar
«o mundo lá fora» e que se esqueceram da parte mais importante, ou seja,
o mundo interior. É que por mais objetos que se possua, se não se possuir o
domínio da nossa vida interior, da nossa mente, ela pode fazer descambar todas
as nossas pretensões de sermos felizes e realizados e tiraniza-nos enredando-nos nas suas malhas de neurónios
tecidas, deixando de poder controlar
seja o que for na nossa vida passando a simples espectadores do drama em que
ela se pode tornar.
O conhecimento de como o nosso
cérebro funciona é a ferramenta mais eficaz para sermos os mestres da nossa
vida em vez de impotentes espectadores. Hoje vou enfatizar o papel do comummente chamado sistema de desejo,
mas que o autor do livro: “ A fórmula da felicidade”, Stefan Klein denomina, a
meu ver apropriadamente, o sistema de expectativa. Neste sistema existe uma molécula essencial
para a nossa vida e para a sua qualidade, mas que se pode revelar a fonte dos
nossos maiores problemas se sair do nosso controle. O que alimenta este sistema
– dopaminérgico - e o mantém a funcionar
é a novidade, o desejo por coisas novas e apetecíveis , mas também vícios vários
como o abuso de nicotina, álcool, jogo, sexo, e por aí vai. A dopamina funciona
a três níveis diferentes, ela é a responsável por nos despertar para o desejo
que tanto pode ser uma boa refeição como o vestido da moda ou também aquela
festa tão badalada, não importa o objetivo, ele tanto pode ser útil para a
nossa sobrevivência e bem- estar como completamente fútil e até prejudicial o
que acontece é que logo que esteja em marcha a libertação desta poderosa
substância é muito difícil barrar-lhe o caminho pois ela é também responsável
pela aprendizagem – daí aprendermos melhor quando há algum desejo e prazer com
o que se aprende – e ainda pelo movimento do corpo em direção ao objeto
pretendido.
O enorme poder que esta tão mágica quanto trágica molécula
possui podemos observá-lo a partir das pesquisas do neurocientista canadiano
James Olds que se tornaram famosas em 1954 a partir do seu estudo em ratinhos. A
experiência consistia em introduzir um finíssimo eléctrodo no hipotálamo dos
mesmos dando-lhes depois a oportunidade de controlar através de um conector este local nas profundezas do cérebro responsável pela libertação de dopamina. O que
aconteceu surpreendeu sobremaneira os investigadores: os malogrados ratinhos
deixaram simplesmente de fazer tudo aquilo para que estão programados e que é responsável pela sua sobrevivência como
seja, comer, beber, dormir e até sexo para pura e simplesmente acionarem uma e
outra vez a libertação da molécula do prazer através do conector. Tudo o resto
deixou de fazer sentido tendo o neurocientista que lhes salvar a vida
desinstalando o comando.
O que nos pode ensinar o
conhecimento deste sistema e como está ele relacionado com as falsas
expectativas que a obtenção desenfreada de objetos levanta? Uma das respostas podemos encontra-la na
experiência dos ratinhos de James Olds, no fundo, os objetivos servem mais como
meio do que como um fim em si mesmo que é como a maioria de nós os encara; daí
a frustração que surge repetidamente quando se atinge um objetivo e nos
deparamos com o vazio então existente, perguntamo-nos então se é só isto, agora
que temos o carro ou a casa ou o vestido ou… a frustração é ainda maior porque
a maior parte das vezes todos estes objetos são comprados sem termos os
recursos necessários, sobrando-nos uma dívida e a progressiva habituação ao objeto outrora
novidade e que agora se revela em toda a sua
insignificância. É, porque a psicoadaptação é um fenómeno que produz
insatisfação ou pelo menos uma sensação neutra a partir do momento em que nos
habituamos a um dado objeto ou situação, tendo que procurar logo outro que seja
novidade e que nos mantenha interessados, motivados, ativos. Que podemos fazer
então? Abdicar de toda a alegria que
esta molécula nos proporciona e resignarmo-nos a uma vida cinzenta e
desinteressante?
Claro que esta não pode ser a
solução, o ideal será termos objetivos que são encarados tal qual são, um meio
de nos mantermos interessados e motivados, plenos de energia, mas que ao mesmo
tempo nos permitam encará-los sem ilusões: não é por comprarmos um palacete, um
carro topo de gama ou roupa de marca caríssima que seremos mais felizes, os
objetivos menores servem exatamente os mesmo propósitos e há também os que são
mais úteis a longo prazo e que não nos aprisionam tanto em vidas de que não
gostamos mas que temos de suportar pois
já nos deixámos enredar demasiado nas pegajosas e sedutoras teias do consumismo
desenfreado.
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