terça-feira, 28 de agosto de 2012

Ruas da amargura




Ao ver um programa como “ruas da amargura” que passou na RTP 2 – aquela  que vai ser sacrificada porque é a única que impede que sejamos todos acéfalos – vive-se várias emoções distintas e contraditórias. Já estava para me deitar pois acordo de manhã cedo, mas não me pude impedir de continuar a ver porque fiquei presa ao drama tão humano que é o facto de ser um sem-abrigo desprezado por (quase) todos.
Passei por vários estados de espírito diferentes porque o documentário está, a meu ver, muito bem conseguido pois nem se atém a passar uma mensagem de miserabilismo nem pinta de cores agradáveis um quadro que é de uma agrura que ultrapassa a imaginação.
Numa associação livre de ideias, sem a interferência do entrevistador, os sem-abrigo contam como foram lá parar e o que mais me impressionou foi a extrema lucidez de alguns deles e a aceitação da sua quota de responsabilidade na  situação. Citando um deles: “ Eu estou aqui por minha responsabilidade, quando a cabeça não tem juízo o corpo é que paga, deixei-me levar pelo jogo…” Isto é um ensinamento para muitos dos que passam a vida a responsabilizar os outros por tudo o que lhes acontece na vida. Na verdade, muitos deles pareciam até mais felizes do que muitos do que achamos terem uma vida normal, mas talvez seja só o que aparenta para quem não está como eles sujeito a todas as vicissitudes de uma vida passada ao relento e longe do afeto que proporciona uma vida familiar. Que alguns se mostravam bem dispostos, é uma constatação que fui fazendo ao longo do documentário, talvez devido ao facto de o dia já ir longo – para eles – e os copitos já irem fazendo o seu efeito? É, muitos confessam ser o vício que lhes roubou a vida. Não nos apressemos, contudo, a demarcarmo-nos duma eventual queda numa situação destas não vá o “diabo” ouvir-nos e só para mostrar que tem mais força trazer-nos uma situação que não consigamos ultrapassar.
Admiro imenso o trabalho (quase) anónimo que fazem estes voluntários que, sem juízos de valor, vão trocando as seringas, distribuindo preservativos, oferecendo um prato de sopa quente ou mais uma manta, tudo objetos muito apreciados por aquelas bandas.  Aprecio fundamentalmente a forma humana com que os tratam e o respeito até pelas suas irresponsáveis atitudes como quando recusam ajuda. Assisti também estupefacta à solidariedade com que alguns deles se ajudam com o pouco que têm demonstrando que mesmo nas piores circunstâncias se pode encontrar algo que escasseia por todo o lado: o altruísmo.
Uma das conclusões que se vai tirando é que são os vícios que vão atirando muitos para a rua, cansadas as famílias de tanto lhes tentarem pôr juízo na cabeça, mas muitos outros não tiveram simplesmente uma ajuda num momento de maior desequilíbrio ou suscetibilidade e isto faz pensar, pois parece muito ténue a diferença entre ter uma vida estável ou uma vida em que se é um pária da sociedade. Vale a máxima: antes de julgares tenta compreender.


   ( imagem retirada da net)



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