Perguntava-me amiúde porque não eram elas tão púdicas por dentro como por fora. Saias protegendo dos desejos pecaminosos da
carne, pesados véus a cobrir os cabelos, que numa, eram de um ruivo de fazer
inveja a muitas que tinham de lutar pelo amor de um homem, mas ela não, já
tinha o seu eterno e fiel e fizesse ela o que fizesse nunca a renegaria como
esposa; e aí reside todo o mal pois não tendo um marido a quem dar satisfações
para quem seria ela melhor pessoa? Um marido virtual não tem a mesma força de persuasão
apesar de tudo. Sempre me perguntei por que não eram as freiras melhores
pessoas do que todos os outros; não era o voto de amor ao próximo a
característica mais essencial da sua profissão? Incongruências pias pois lá
tempo nas ladainhas de rosários passavam elas muito… mas não se lhe viam
que surtissem efeito pois até me parece que em termos de percentagem, lá dentro
do lar de meninas carenciadas a que presidiam, elas se saiam mal no que às
características de um bom coração diz respeito. E isso afastou-me da religião. Não
iria eu a um médico que não soubesse medir a tensão, ou a um sapateiro que me
deixasse as solas dos sapatos rotas….
Estas incongruências sempre me incomodaram e
sempre desconfiei por isso mesmo de epítetos e etiquetas que se colam deixando
que se ajuíze da conduta de alguém antes de lhe conhecer os atos: são
perigosos. São-no porque causam enganos. Um desses enganos é quando somos pouco
mais do que crianças e vemos tanto aparato santo junto, se um destes expoentes
máximos da moral e bons costumes nos diz que não valemos grande coisa temos
tendência a acreditar na mentira; mesmo quando nos obrigam a passar nove horas
por dia a fazer rendas finíssimas com que as madames da sociedade disfarçam as
angústias casamenteiras e com que nós furamos os dedos, nós acreditamos que é
para nosso extremo bem mesmo que não ganhemos um chavo e tenhamos de pedinchar
para ter direito a um champô… meses e anos assim, passei-os eu porque apesar de
tudo tinha um teto e um prato de massas com umas gorduritas a boiar; ah, é que
o filet mignon ficava no andar de
baixo, covil das lobas, que tinham feito voto de pobreza, mas deviam na altura
estar a pensar em nós…
Se queríamos vê-las rabear fazendo esvoaçar o véu
era quando o padre vinha lá ao lar: espalhavam-se odores que sempre me pareciam
afrodisíacos e os sorrisos rasgavam-se, as vozes amansavam e as mãos
aproximavam-se dos terços numa devoção fingida e beata que já não convencia
ninguém. A cada uma delas lhe conhecíamos o cavaleiro de carne e osso porque o
virtual no que toca a desejos e anseios muito humanos deixa muito a desejar.
Assim se foi a réstia de esperança que eu pudesse
ter em salvações impingidas por outrem, se alguém me anuncia a salvação em taças
sebosas de pecado só posso desatar a rir com tal disparate, é que isto de ser
padeiro e deixar o pão para os outros amassarem não traz clientes com fome…
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