quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Incongruências pias

Perguntava-me amiúde porque não eram elas tão  púdicas por dentro como por fora. Saias protegendo dos desejos pecaminosos da carne, pesados véus a cobrir os cabelos, que numa, eram de um ruivo de fazer inveja a muitas que tinham de lutar pelo amor de um homem, mas ela não, já tinha o seu eterno e fiel e fizesse ela o que fizesse nunca a renegaria como esposa; e aí reside todo o mal pois não tendo um marido a quem dar satisfações para quem seria ela melhor pessoa? Um marido virtual não tem a mesma força de persuasão apesar de tudo. Sempre me perguntei por que não eram as freiras melhores pessoas do que todos os outros; não era o voto de amor ao próximo a característica mais essencial da sua profissão? Incongruências pias pois lá tempo nas ladainhas de rosários passavam elas muito… mas não se lhe viam que surtissem efeito pois até me parece que em termos de percentagem, lá dentro do lar de meninas carenciadas a que presidiam, elas se saiam mal no que às características de um bom coração diz respeito. E isso afastou-me da religião. Não iria eu a um médico que não soubesse medir a tensão, ou a um sapateiro que me deixasse as solas dos sapatos rotas….
Estas incongruências sempre me incomodaram e sempre desconfiei por isso mesmo de epítetos e etiquetas que se colam deixando que se ajuíze da conduta de alguém antes de lhe conhecer os atos: são perigosos. São-no porque causam enganos. Um desses enganos é quando somos pouco mais do que crianças e vemos tanto aparato santo junto, se um destes expoentes máximos da moral e bons costumes nos diz que não valemos grande coisa temos tendência a acreditar na mentira; mesmo quando nos obrigam a passar nove horas por dia a fazer rendas finíssimas com que as madames da sociedade disfarçam as angústias casamenteiras e com que nós furamos os dedos, nós acreditamos que é para nosso extremo bem mesmo que não ganhemos um chavo e tenhamos de pedinchar para ter direito a um champô… meses e anos assim, passei-os eu porque apesar de tudo tinha um teto e um prato de massas com umas gorduritas a boiar; ah, é que o filet mignon ficava no andar de baixo, covil das lobas, que tinham feito voto de pobreza, mas deviam na altura estar a pensar em nós…
Se queríamos vê-las rabear fazendo esvoaçar o véu era quando o padre vinha lá ao lar: espalhavam-se odores que sempre me pareciam afrodisíacos e os sorrisos rasgavam-se, as vozes amansavam e as mãos aproximavam-se dos terços numa devoção fingida e beata que já não convencia ninguém. A cada uma delas lhe conhecíamos o cavaleiro de carne e osso porque o virtual no que toca a desejos e anseios muito humanos deixa muito a desejar.
Assim se foi a réstia de esperança que eu pudesse ter em salvações impingidas por outrem, se alguém me anuncia a salvação em taças sebosas de pecado só posso desatar a rir com tal disparate, é que isto de ser padeiro e deixar o pão para os outros amassarem não traz clientes com fome…




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