Sentavas-te a meu lado e nada dizias, talvez só
por vezes te saíssem as palavras: “Minha carochinha” num amansar da alma
carinhoso enquanto me asseguravas ser a tua neta favorita de entre nove; nada
mau, pensava eu enquanto te olhava a figura pequena onde transparecia uma alma
enorme que abarcava a minha curta vida. Tinhas sido mau, diziam-me, quando te
entregavas à bebida, mas eu que não vi, nunca acreditei nas más línguas, ou
talvez não quisesse acreditar que pudesses ter desvarios e tivesses com eles
maltratado alguém; logo tu, o mais doce que jamais conheci. Coisa engraçada
essa da minha vida, os parentes fingidos são os que mais gosto pois diziam-me
que não eras mesmo meu avô de sangue. Que importa isso? Para sempre recordarei
o teu sorriso, e a tua ternura perdurará nas lembranças de alegrias raras numa
infância maltratada . O homem da casa
era ela, a minha avó, habituada aos rigores dos verões alentejanos, rude e sem carinho
tinha-me chamado “o trambolho” quando a mãe lhe dissera estar grávida de mais
um filho sem pai. Ela dera-me o sangue,
tu a alma. Recordo os risos ao dizeres que tinhas entrado no Portugal
dos Pequenitos sem pagar bilhete porque te confundiram com um garoto, baixaste
a cara e só viam a tua figura de miúdo reguila que libertava depois gargalhadas
quando te punhas a contar essas piadas. E bem lembro que ao longe também eu te
confundia com um que a avó trouxesse pela mão para nos fazer uma visita, numa
das raras ocasiões que se libertava da vergonha de ter uma filha doente e cinco
netos de três pais diferentes e nos entrava porta adentro com o ar de tudo
querer pôr em ordem, e não é que ela fosse maior do que tu avô, mas era a
postura, a força daquela personalidade dura e rude que te fazia parecer ainda
mais criança. Como se deixava ela guiar por ti montada na lambreta na qual passeavam por toda a Espanha
estou eu para saber, só sei que as raras ocasiões das visitas coincidiam muitas
vezes com a chegada de onde era comum trazer sacadas de caramelos para adoçar
os beiços e quando te sentavas e me acompanhavas nas guloseimas com algum
chupa- chupa na boca, nem eras para mim um adulto, quanto mais um avô, eras
simplesmente um amigo, uma outra criança que partilhava um doce às escondidas
enquanto os adultos se entregavam a assuntos mais sérios. Só repetias: “ Minha
carochinha”. E as palavras adoçavam mais do que o caramelo que tinha na boca…
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