Chegaste assim de mansinho para me minares e nem
dei por ti, tal como não dá a ponte pela corrosão que um rio, sempre corrente, lhe
provoca fazendo-lhe estremecer as
estruturas . Talvez não te notasse como não nota a granítica rocha que a doce e
suave água que passa lá deixará o seu rasto, porque parece inofensiva, causa
estragos. Parecias estar somente de passagem, como um visitante que apenas fica
pela novidade da paisagem, pela curiosidade de descobrir novas moradas e por
isso mesmo quando vi que ficavas já era tarde; já me possuías o leme e comandavas
a embarcação rumo a alto mar.
Povoaste-me os sonhos, os que sonho a dormir e os
que, acordada, me levam em tormentosas tempestades; pobres entidades
incorpóreas e diáfanas que se agregaram a mim e em fantasias se fizeram vivas e
presentes atuando como melífluas e mortais personagens que são, à vez, público e produtor.
Que força é essa que paralisa impossibilitando a
fuga sem corrente que prenda? Que poder te conferi eu para com um gesto me
condenares ao inferno ou me elevares aos céus? Temo esse poder que te dei, nem
sei como nem porquê; entreguei-te a capitania e navego agora nos mares por ti
traçados.
Julgava-me a salvo do furacão que se formava
deixando-me enganar pela calidez com que te apresentavas, só a inocência
permite tal engano pois não é em tais climas
quentes que as mais mortíferas tempestades se formam? Não é mesmo no seio dos
mais perfeitos climas que os tufões se formam e num rodopio destroem tudo o que
encontram? Neguei todas as evidências e
fui ficando, mais e mais tempo, nas tuas redondezas até que a velocidade dos
ventos que te assombram me veio soltar as folhas de outono e me deixaram nua.
Foste-me tragando as entranhas qual hospedeiro
parasita em morada alheia, alimentaste-te do meu fogo, do mel e do amor consumiste-me
por dentro para me rasgares na saída… Foram-se os ventos e as ondas da
tempestade, mas ficou o salgado na pele e o cheiro a maresia. E as folhas? Essas,
ao desprendê-las renovaste-as deixando uma nova mulher no lugar…
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