O comboio de gente pequena lá ia seguindo a rua que
desemboca na praça 8 de Maio ora de carruagens mais alinhadas, ora menos, mas
seguia em frente enquanto as pessoas que se encontravam no apeadeiro,
maioritariamente turistas, chegavam e
açambarcavam as ruas com os seus artefactos preferidos: mochilas, máquinas
fotográficas, chinelo no pé e chapéus de abas largas; eu passava e já vinha há
algum tempo a apreciar as carruagens que, de quando em vez, descarrilavam.
Estas pequenas criaturas atraem-me e gosto de vê-las duas as duas, entrelaçadas
as mãos por uma qualquer ordem superior que acatam sem questionar. Nem todas as
ordens são acatadas com a mesma solicitude, pelo menos não por todas as
crianças e as educadoras lá vão tentando metê-las nos carris enquanto lhes ajeitam
os chapéus, de uma só cor, como que a indicarem ser seu dever pensarem todos
igual.
Destacou-se uma menina que lá seguia mão na mão
com o seu par, mas que já desde o início da rua era difícil manter na linha e
era ela que fazia descarrilar o comboio de carruagens aos quadradinhos azul e
rosa como os bibes; puxava o seu companheiro e fazia os cabelos da educadora eriçarem-se
de irritação, mas por mais que esta lhe ralhasse, volta não volta lá voltava
ela a meter o pé na argola e como ia nas carruagens da frente lá se contorcia o
comboio que agora mais se assemelhava a uma lagarta vaidosa que saracoteasse as
ancas se as tivesse.
Eu diminuía a velocidade para apreciar esta gente
em miniatura e deliciava-me com as suas contidas traquinices e com o talento
especial das educadoras para não deixarem que o apeadeiro e todos os que lá se
encontravam impedissem a passagem do comboio mais extraordinário que alguma vez
foi visto.
Mas eis que a menina dá mais um puxão ao seu
parceiro de viagem fazendo pela enésima vez com que a lagarta gigante aos
quadradinhos meneasse os anéis e que os que seguiam atrás esbarrassem uns nos
outros proporcionando-me, assim, apreciar o mais subtil e precoce indício de
autoridade protagonizado por palmo e
meio de gente que farto da sua desajeitada companheira o fazer perder os carris
leva o dedo à boca em sinal de silêncio e com um toque suave mas firme a puxa
de volta à linha. Mais ninguém se apercebeu do gesto; só eu e a pequena que lhe
virou uns olhos de cão submisso, meteu o rabo entre as pernas e acatou a ordem
que até ali nenhum adulto a tinha feito acatar não voltando a fazer descarrilar
a carruagem. A cena impressionou-me, mas o que mais me impressionou foi o olhar
que, mais do que os gestos, sem ser ameaçador, tinha um qualquer indício de dominância natural que
não prevê desafio à autoridade e que, sendo naturalmente concedida, se impõe
graciosamente.
A educadora deve ter dado graças pela
tranquilidade com que se finalizou a viagem sem se aperceber do inesperado
aliado que lha tinha facilitado e sem se aperceber naquele momento do esboço de
líder que tinha o privilégio de poder educar.
Eu segui o meu caminho a sorrir internamente e
pensando o quanto têm as crianças para nos ensinar a nós, assim nós tivéssemos
na disposição de com elas aprender.
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