A longa discussão sobre que aspetos do comportamento são
inatos ou adquiridos atinge, como é óbvio, um tema de extrema importância para
a nossa convivência em sociedade: a moral. Será a moral inata ou adquirida?
Hoje é ponto assente para muitos que a educação tem um papel
fundamental no modo como nos comportamos , por isso, quando surgem casos de
pessoas que foram educadas juntas e que apresentam grandes diferenças no modo
como se comportam isso causa espanto e embaraço em quem tem a noção de ter dado
a melhor educação possível e mesmo assim ter ajudado a criar uma pessoa sem escrúpulos.
O contrário também é verdadeiro, encontrando-se no seio de famílias desestruturadas
e onde os valores morais não contam muito, pessoas que se destacam por um elevado
padrão de moralidade. É fácil de perceber que a educação não é tudo; é apenas
uma parte – uma parte importante como é óbvio, mas apenas uma parte.
Há outra discussão em curso que é saber se os seres humanos à
medida que vão perdendo as suas raízes de origem religiosa se tornam ou não
pessoas com menos ética, sendo que do lado dos crentes, ter fé, ter uma crença num
ser que de algum modo ditaria as leis de conduta dos seres humanos, é fator
fundamental para prevenir a irrupção da violência, da promiscuidade, da maldade
em geral, fruto da herança que os nossos pais, Adão e Eva, nos legaram, por,
supostamente, terem comido uma maçã. Claro que os não crentes, logo a postos
para retaliar, afirmam que basta recorrer à História para inferir da enorme
violência que sempre esteve – e continua - ligada à religião.
Penso ser mais fácil raciocinar sobre a validade de uns e
outros argumentos se nos perguntarmos e tentarmos responder à seguinte questão:
têm os animais moral? Penso ser
fundamental responder a esta pergunta porque, comprovadamente, Deus não têm.
Para dar peso aos argumentos dos crentes teríamos de
constatar que os animais não têm moral; ora isso é completamente falso como se
pode constatar estudando o seu comportamento. A teoria dos jogos, que se baseia
nas interações animais, tem provado consistentemente que os animais desenvolvem
sistemas evolutivamente estáveis de comportamento que lhes permite prosperar e
proliferar sem que andem constantemente a matar-se uns aos outros, mesmo em
ambientes selvagens. Como explicar que frequentemente lutas renhidas por fêmeas
acabe com o vencido a retirar sem ter sido morto? Isso é uma entre várias
estratégias que permite que baste a um animal seguir vários padrões
ritualizados para ser deixado em paz para seguir com a sua vida. Existem várias
estratégias que os animais seguem, alguns autores chamam-lhes EEE – estratégias
evolutivamente estáveis – que permitem não gastar mais do que a energia
necessária para atingir um determinado fim como o acasalamento, por exemplo. A
moral, sendo um conjunto de normas seguidas por uma dada sociedade que visa a harmónica
convivência entre os seus membros pode, e é, frequentemente encontrada em toda
a espécie de animais não sendo, por isso apanágio exclusivo dos seres humanos.
Não faz pois muito sentido discutir se Deus é ou não necessário para se ter
moral; parece não haver dúvidas quanto a isso.
Parece que embora influenciando bastante, a educação por si
só também não é determinante pois só assim se explica que irmãos possam ter
uma tão grande diferença em termos de comportamento em sociedade; jogam aqui um
papel fundamental os fatores genéticos.
Neste ponto vou-me socorrer da ideia dos marcadores
somáticos proposta por António Damásio
no seu livro “O erro de Descartes”. Para Damásio, para podermos raciocinar eficazmente e decidir
sobre as nossas vidas, levar a cabo ações
benéficas para nós e para os que nos
rodeiam, o modo como nos comportamos em sociedade, de um modo geral, depende de
termos intacto todo o substrato neural – a que ele chama a maquinaria da razão –
que liga o cérebro evolutivamente mais antigo ao cérebro mais recente. O cérebro tem três conhecidas estruturas
hierarquicamente sobrepostas, das mais antigas para as mais recentes
respetivamente – arquicórtex, paleocórtex e neocórtex – que funcionam em
estreita inter-relação sendo necessário que funcionem cabalmente para que o
processo de bem direcionar a nossa vida se verifique.
Que assim é o demonstram estudos com doentes que, ou por acidente ou
inatamente, se vêm destituídos de uma parte importante desta maquinaria como o
tão famoso caso do século xıx de Phineas Gage que subsequentemente
a um acidente que lhe roubou parte da massa encefálica do Lobo Frontal lhe
roubou também a vida normal por ter ficado com uma fraca apetência para as
decisões mais banais que todos os dias somos solicitados a tomar.
Posteriormente, outros doentes estudados por Damásio demonstraram que lesões no
Lobo Frontal – uma área delimitada e comprovadamente sede da tomada de decisões
- impedem que os doentes tenham acesso
aos sentimentos que – embora não demos por isso, nos auxiliam em todos os momentos
a tomar decisões. Ora, sem acesso às nossas emoções e sentimentos somos meros
computadores capazes, ainda assim, de raciocínios lógicos, mas incapazes de
sentir o impacto que tem para nós determinada ação; as consequências dos nossos
atos deixam de nos importar porque não o sentimos na carne. Uma má ação é
sentida pelo sujeito que a praticou, não é só avaliada como tal pelo intelecto;
quem já foi apanhado numa mentira e enrubesceu, sentiu o coração acelerado e a
garganta apertada sabe que estes sentimentos são essenciais para se compreender
que se agiu mal – os psicopatas também têm défices a este nível por isso são
incapazes de sentir remorsos.
A moral é pois um subproduto da maquinaria biológica com que
nascemos e com a qual somos capazes de tomar decisões que sejam benéficas para
vivermos em sociedade; a cultura vem ajudar, mas por si só é insuficiente para
explicar que animais – sem um sistema moral imposto - também demonstrem importar-se uns com os
outros, que irmãos criados juntos tenham padrões diferentes de comportamento
moral e que pessoas no decurso de uma doença ou acidente deixem de se comportar
como antes.
Ratinhos de bom coração (deixam de comer chocolate para libertar companheiros das grades. http://migre.me/9Eebk
Sem comentários:
Enviar um comentário