domingo, 24 de junho de 2012

De onde vem a moral?



A longa discussão sobre que aspetos do comportamento são inatos ou adquiridos atinge, como é óbvio, um tema de extrema importância para a nossa convivência em sociedade: a moral. Será a moral inata ou adquirida?
Hoje é ponto assente para muitos que a educação tem um papel fundamental no modo como nos comportamos , por isso, quando surgem casos de pessoas que foram educadas juntas e que apresentam grandes diferenças no modo como se comportam isso causa espanto e embaraço em quem tem a noção de ter dado a melhor educação possível e mesmo assim ter ajudado a criar uma pessoa sem escrúpulos. O contrário também é verdadeiro, encontrando-se no seio de famílias desestruturadas e onde os valores morais não contam muito, pessoas que se destacam por um elevado padrão de moralidade. É fácil de perceber que a educação não é tudo; é apenas uma parte – uma parte importante como é óbvio, mas apenas uma parte.
Há outra discussão em curso que é saber se os seres humanos à medida que vão perdendo as suas raízes de origem religiosa se tornam ou não pessoas com menos ética, sendo que do lado dos crentes, ter fé, ter uma crença num ser que de algum modo ditaria as leis de conduta dos seres humanos, é fator fundamental para prevenir a irrupção da violência, da promiscuidade, da maldade em geral, fruto da herança que os nossos pais, Adão e Eva, nos legaram, por, supostamente, terem comido uma maçã. Claro que os não crentes, logo a postos para retaliar, afirmam que basta recorrer à História para inferir da enorme violência que sempre esteve – e continua - ligada à religião.
Penso ser mais fácil raciocinar sobre a validade de uns e outros argumentos se nos perguntarmos e tentarmos responder à seguinte questão: têm os animais moral?  Penso ser fundamental responder a esta pergunta porque, comprovadamente, Deus não têm.
Para dar peso aos argumentos dos crentes teríamos de constatar que os animais não têm moral; ora isso é completamente falso como se pode constatar estudando o seu comportamento. A teoria dos jogos, que se baseia nas interações animais, tem provado consistentemente que os animais desenvolvem sistemas evolutivamente estáveis de comportamento que lhes permite prosperar e proliferar sem que andem constantemente a matar-se uns aos outros, mesmo em ambientes selvagens. Como explicar que frequentemente lutas renhidas por fêmeas acabe com o vencido a retirar sem ter sido morto? Isso é uma entre várias estratégias que permite que baste a um animal seguir vários padrões ritualizados para ser deixado em paz para seguir com a sua vida. Existem várias estratégias que os animais seguem, alguns autores chamam-lhes EEE – estratégias evolutivamente estáveis – que permitem não gastar mais do que a energia necessária para atingir um determinado fim como o acasalamento, por exemplo. A moral, sendo um conjunto de normas seguidas por uma dada sociedade que visa a harmónica convivência entre os seus membros pode, e é, frequentemente encontrada em toda a espécie de animais não sendo, por isso apanágio exclusivo dos seres humanos. Não faz pois muito sentido discutir se Deus é ou não necessário para se ter moral; parece não haver dúvidas quanto a isso.
Parece que embora influenciando bastante, a educação por si só também não é  determinante  pois só assim se explica que irmãos possam ter uma tão grande diferença em termos de comportamento em sociedade; jogam aqui um papel fundamental os fatores genéticos.
Neste ponto vou-me socorrer da ideia dos marcadores somáticos  proposta por António Damásio no seu livro “O erro de Descartes”. Para Damásio,  para podermos raciocinar eficazmente e decidir sobre as nossas vidas,  levar a cabo ações benéficas para nós e para os  que nos rodeiam, o modo como nos comportamos em sociedade, de um modo geral, depende de termos intacto todo o substrato neural – a que ele chama a maquinaria da razão – que liga o cérebro evolutivamente mais antigo ao cérebro mais recente.  O cérebro tem três conhecidas estruturas hierarquicamente sobrepostas, das mais antigas para as mais recentes respetivamente – arquicórtex, paleocórtex e neocórtex – que funcionam em estreita inter-relação sendo necessário que funcionem cabalmente para que o processo de bem direcionar a nossa vida se verifique.
Que assim é o demonstram  estudos com doentes que, ou por acidente ou inatamente, se vêm destituídos de uma parte importante desta maquinaria como o tão famoso caso do século xıx de Phineas Gage que subsequentemente a um acidente que lhe roubou parte da massa encefálica do Lobo Frontal lhe roubou também a vida normal por ter ficado com uma fraca apetência para as decisões mais banais que todos os dias somos solicitados a tomar. Posteriormente, outros doentes estudados por Damásio demonstraram que lesões no Lobo Frontal – uma área delimitada e comprovadamente sede da tomada de decisões -  impedem que os doentes tenham acesso aos sentimentos que – embora não demos por isso, nos auxiliam em todos os momentos a tomar decisões. Ora, sem acesso às nossas emoções e sentimentos somos meros computadores capazes, ainda assim, de raciocínios lógicos, mas incapazes de sentir o impacto que tem para nós determinada ação; as consequências dos nossos atos deixam de nos importar porque não o sentimos na carne. Uma má ação é sentida pelo sujeito que a praticou, não é só avaliada como tal pelo intelecto; quem já foi apanhado numa mentira e enrubesceu, sentiu o coração acelerado e a garganta apertada sabe que estes sentimentos são essenciais para se compreender que se agiu mal – os psicopatas também têm défices a este nível por isso são incapazes de sentir remorsos.
A moral é pois um subproduto da maquinaria biológica com que nascemos e com a qual somos capazes de tomar decisões que sejam benéficas para vivermos em sociedade; a cultura vem ajudar, mas por si só é insuficiente para explicar que animais – sem um sistema moral imposto -  também demonstrem importar-se uns com os outros, que irmãos criados juntos tenham padrões diferentes de comportamento moral e que pessoas no decurso de uma doença ou acidente deixem de se comportar como antes.

 Ratinhos de bom coração (deixam de comer chocolate para   libertar companheiros das grades.  http://migre.me/9Eebk

Sem comentários:

Enviar um comentário