Cansada de bater na pesada porta, velha e gasta,
virei as costas. As mãos sangravam e também a alma. Que podia fazer se os
habitantes de tal morada não me queriam abrir a porta ? Ah, como o amor
escraviza! Como destrói também quando não é correspondido… afastei-me
convencida a não mais forçar a entrada. Não voltaria; nem com flores, nem com
oferendas, nem com doçura ou de alma sincera e verdadeira à mostra para que
dela zombassem. Da minha boca não sairiam mais desculpas sem culpa, nem sequer
imploraria mais amor ou gratidão. A decisão era irrevogável, tinha feito tudo
quanto é humanamente possível, mas a liberdade de escolha deixaria a quem, por
detrás das cortinas que enfeitavam as janelas, assim me olhava e me deixava
partir. Era grande a mágoa. As lágrimas eram de sangue e as noites de solidão. Ia
cabisbaixa e infeliz; do estômago, agora
em pedra, saía a decisão de não mais se deixar esmagar, de não mais se entregar
assim tão inteiramente a quem, sem pejo e de ânimo leve, destrói um edifício a
duras penas construído. O edifício estava a arder. O céu carregado de rosa
forte e de trovões parecia contribuir para as chamas e nem uma gota de água
deixava tombar para minimizar os estragos. Como se remenda uma alma
estilhaçada? Com que linhas se cose os pedaços dela que esvoaçam ao vento, rodopiam,
desaparecendo na multidão? O estômago
continuava a gritar, mas a decisão era irrevogável. Basta! Basta de tanto
procurar conforto em mão ácidas, rugosas e frias, basta de procurar carinho em
almas ocupadas com outros afazeres do mundo, decerto mais importantes do que confortar uma mãe que ama. Quem deu aos filhos
tal direito? Quem lhes deu o direito de serem amados, assim tão dolorosamente e
de à mais pequena brisa, levantada por que tempestades, nem eu sei, apontarem
um dedo acusatório e desprezarem tanto amor? A minha porta jamais se fechará!
Jamais espreitarei por detrás das cortinas e deixarei que se afaste de mim quem
mais me amou, mas não mais levantarei a minha mão para a esmurrar contra a
porta de ninguém. Que sabem do mundo? Que sabem ou querem saber de mim? Dos
meus motivos, das minhas sensações, do meu mundo interno e das minhas
intenções? Quem vos deu o direito de serem assim amados? Quem vos deu o direito
de me acusarem de crimes que não cometi? Por que não vos chega todo o amor que
vos dediquei e dedico? Não, jamais fecharei a porta. Jamais vos deixarei bater
e virarei as costas com coisas mais importantes para fazer, mas vou deixar de
vos dar o direito de me fazerem sangrar as mãos; já a alma não sei se serei
capaz…
Maria João Varela
Foto: Melro |
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