Hoje pensei em ti
avô. Precisava de alguém que me inspirasse, sabes… quem melhor do que tu para isso?
Quem melhor do que tu que viveste de sorriso nos lábios até ao fim, mesmo ao
enfrentar a morte? “Eu nunca vou morrer” – dizias só para a irritar. Hoje precisava
do teu eterno sorriso maroto para me dizer que sorrir é a única forma corajosa
de enfrentar a dor, a perda até de nós próprios quando nos vemos escorregar
para o abismo . A tua carochinha – como me chamavas – hoje inspirou-se na tua
bondade para enfrentar o dia; quem melhor do que tu, único baluarte da minha
infância atribulada, única figura masculina passível de ser amada, para me
guiares no rumo certo? A morte é só um
pormenor sem importância. Todos sabemos que não se morre para quem nos ama; só
morremos para os outros, para aqueles que mesmo em vida nos reduzem ao pó da
inexistência. Tu não morreste. Nem morrerás enquanto eu for viva. Seria isso
que querias dizer quando afirmavas: “ eu nunca vou morrer”; seria isso que o
teu sorriso me queria ensinar? Eras assim,
foste um eterno garoto mesmo na velhice: os teus olhinhos curiosos e cheios de
traquinices, a tua figura miúda e ágil, o teu sinal enorme numa face morena que
te diferenciava de tudo e de todos… vives em mim. A tua imagem e exemplo serão
sempre o meu farol, conversarei contigo nos momentos em que os vivos forem
inexperientes para me aconselhar. Que podemos ansiar mais do que viver em
espírito e guiarmos os passos dos nossos pela escuridão? Adivinho-te o conselho e sigo-o, sei o que dirias, o que
esperarias da tua neta favorita – que me perdoem os outros, mas eras tu que o
dizias – sentir-te-ei o cheiro das
roupas gastas e sujas das tuas jornadas de trabalho na oficina e gostarei,
ouvirei as tuas risadas e rirei contigo. Porque é assim o amor, não morre com a
morte, morre se tiver de morrer ainda em vida, morre se não o cuidarmos e
ouvirmos e alimentarmos com o carinho com que alimento o meu amor por ti…
Maria João Varela
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