As paredes do hospital eram de um branco encardido
e o cheiro, embora ali não houvesse feridas para desinfetar, era o
característico dos hospitais como se o cheiro do sofrimento, fosse ele qual
fosse, emprestasse às enfermarias independentemente da especialidade de
pertença o mesmo cheiro antissético , o mesmo que embora fosse desnecessário poderia
afastar o cheiro a calor humano, precioso, se existisse. O pijama largo e às
riscas finas, azuladas era igual ao dos outros pacientes, farda imprescindível
dos loucos e atrasados que conheciam o seu lugar e permaneciam cada qual com o
seu distúrbio unidos num qualquer laço de familiaridade e não se percebendo bem
porquê unidos contra o pessoal que prestava os (in)devidos cuidados de saúde;
não tinha importância, contudo, se era bonita ou feia a indumentária, o aspeto
físico há muito tinha perdido o interesse e enquanto me arrastava para o
gabinete do psiquiatra, passos ainda cambaleantes, pensava já na forma de escapar
daquele lugar o mais rapidamente possível. Era verdade que ainda nos cuidados
intensivos tinha acedido ao pedido de me deixar internar na psiquiatria, muito
por culpa dos tratos carinhosos que lá me tinham sido facultados, mas agora que
me encontrava lá, junto com toda a panóplia de doenças mentais imaginárias, sabia
que corria sérios riscos de ficar pior do que à entrada. Mais a mais quando me
começaram a medicar sem ainda deixar de estar intoxicada pela quantidade astronómica de barbitúricos
que tinha ingerido para pôr fim a uma vida que se tornava de um cinzento
insuportável, onde a graça e as cores já não existiam mais… A enfermeira de serviço irritada perante a minha resistência à tomada dos
mesmos: “ então agora não gosta de comprimidos? Está muito esquisita para quem
acabou de tomar uma dose extra.” Claro que ainda não tinha o crítico interno a
funcionar bem e tratei-a mal com uma réstia das forças que me tinham sobrado da
luta de meses contra uma depressão galopante. Fui acusada de não cooperar e o doutor
que tão prontamente me tinha receitado as pílulas cujas cores garridas causam a
dependência, muito por culpa da aparência lúdica que têm, achou por bem tentar
trazer-se à razão pelo que me fiz ao gabinete pronta a confrontá-lo. Mostrou-se
fino nos tratos e quase me convencia da superior vantagem que seria para mim
naquele momento tomá-los, ainda turva das ideias do louco desvario que tinha
tentado cometer, mas fingi ouvi-lo pois a lucidez começava a surgir e achei por
bem aquiescer até porque a matrafona da enfermeira me tinha ameaçado forçar a
toma dos mesmos com o recurso a camisa de forças, se preciso fosse, como se vê
nos filmes: “é que vai à força se for preciso!” Vingou a minha rebeldia e
intimamente até me divertia quando uma semana mais tarde diziam aos meus
familiares poderem deixar-me sair, se assinassem um termo de responsabilidade,
pois os antidepressivos, os mesmo que eu fingia tomar enquanto a matrafona me
olhava pelo canto do olho para os despejar de seguida pela sanita abaixo, estavam
a fazer efeito e eu estava a melhorar a olhos vistos.
Maria João Varela
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