Já passava da hora. A hora habitual quando te
despedias em bicos de pés e com um afago nos meus cabelos largavas os lençóis
que deixavas sem remorsos abandonados e frios, sombrios e sem as formas
sedutoras com que os enformavas a eles. Tardavas. E eu perguntava por que
haverias tu de te prolongar na tortura da despedida prolongando desse jeito o
meu desespero também. Por que contam as horas para os amantes? O amor não tem
hora. O amor apega-se à pele, entranha-se na carne e já não sai, nem à força
das badaladas do sino da igreja que ciumento deixa as horas passarem mais
depressa… Deixavas-me entregue aos mesmos desvarios, também eu só e abandonada.
“Voltará?” Pensava eu. E os lençóis pareciam gemer com a dor da tua falta…
caía-me uma lágrima. Tardavas. Eu enroscava-me um pouco mais saboreando de
avanço a dor da partida na hora em que o amor parece mais forte pela força
emprestada pela saudade… Respiravas fundo, dormirias embalado pelos momentos de
amor vivido, num prolongamento sonhado? Ter-te-ias esquecido das horas? As
horas, essas mesmas que tanto amor roubam aos amantes deixando um doce rasto de
“já vivido”, uma doce e suave lembrança nas bocas sedentas de mais e mais
prazer. O amor não tem hora, nem idade, não cabe em
cronologias humanas; é o castigo que os deuses dão encurtando a vida, acelerando
as horas ao ritmo dos corações. Imaginava-te levantando-te, nu, trocando os
lençóis pelas calças que ganhavam vida começando a andar… andar para longe. Por
que razão sorrias agora? Olhava-te no teu enlevo e não queria mais nada,
somente que não passassem as horas, as mesmas que apesar disso teimavam em
acelerar. Tardava. Amanhecia quase, como era possível que te tivesses esquecido
delas? Das mesmas que te roubavam de mim? Sabe-se que há amor quando as horas
correm em vez de passarem no seu leve balançar. Chamei-te: “ amor, amor, são
horas.” Nada. Só um suspiro mais profundo e mandaste as mesmas às urtigas.
Agora mais forte: “amor, não te atrases” como se o amor se cingisse ao tempo,
logo ele que é intemporal… “Hã? Ah, não te disse! Eu não vou, aliás, não vou mais…”
Assim, sem mais. Acabavas-me com a promessa de um despertar agridoce, em que já
eras só uma lembrança, em que o amor perdurava nos sentidos da memória e
avolumava-se na tua ausência. E agora? Calavam-se as badaladas do relógio que se sentia vingado podendo
reduzir a marcha ao saber-te meu, sem outros entraves. Deixáramos de ser
amantes sequiosos, os dias poderiam agora ser mais lentos, seguir o ritmo habitual; fora-se a urgência,
mas assim sem despedidas nem cama vazia,
sem o choro dos lençóis sem o peso da partida,
sem saudade, sem a minha lágrima, que seria do amor?
Maria João Varela
Maria João Varela
Sem comentários:
Enviar um comentário