Caminhavam juntos, muito agarradinhos, não só pelas
mãos que iam dadas, mas também pelos olhares que ainda brilhavam quando se
cruzavam. Pertenciam um ao outro, sabiam-no, pertenciam-se até sempre; até que
a morte os separasse e mais além. Ele, de fato já folgado nas mangas, que os
braços eram agora apenas preenchidos pelas parcas peles enrugadas e mirradas e
ela de cós a bailar na cintura numa saia cinza que, apesar de tudo, lhe
assentava bem. Seguiam bem no centro da rua apilhada de gente: turistas armados
de câmaras fotográficas querendo levar para casa parte da cidade, pequenos de
uma pré- escola que seguiam qual comboio aos quadradinhos – amarelos, rosa e
azuis – muito enfileirados e aprumados, obedientes à voz da educadora que os
mantinha na linha imaginária, uma mulher de camisa às bolas vermelhas que
balançavam ao ritmo dos saltos agulha, altíssimos, onde se equilibrava a custo;
eles seguiam inteiramente alheados de vidas mais cheias de outras cores, só preenchiam o olhar um do outro, onde se
miravam reciprocamente pelo espelho do amor. Sabiam que estavam velhos, mas era
só por fora, para os outros, porque eles
próprios viam-se por dentro, e continuavam os mesmos eternos apaixonados;
via-se na força com que se agarravam na mão e no orgulho com que pavoneavam o
amor mesmo no centro da rua. Seguiam
devagar como quem tem todo o tempo do mundo, ou talvez apenas como quem
aproveita, saboreando cada gotícula de prazer que se apresente, que lhe
saboreie toda a intensidade; está talvez aí o segredo de quem já tem menos tempo
para viver, talvez viva mais cada momento, não sei. Talvez apenas que o amor
não tenha constrições cronológicas, ou apenas quando se sabe que é , mesmo,
para sempre assim, seguro, se apresente
com essa intensidade. Não era um amor qualquer, isso percebia-se pela altivez
dela malgrado a corcunda que a sugava para a terra – haverá alguma mulher mais
segura de si do que aquela que se sabe amada pelo seu homem? – era feito de
respeito que se via pela amabilidade das palavras que trocavam; era confiança
pois entregará alguém a velhice, assim, de uma forma tão absoluta, a um
qualquer desleal? E era também amizade, que casal sobrevive sem uma boa
dose desta, quando todos os outros atrativos se foram?
Maria João Varela
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