domingo, 9 de novembro de 2014

Agora é a tua vez de fazeres melhor do que eu fiz

“ Estamos a fazer-lhe o mesmo ou pior do que ela nos fez a nós! “ A minha irmã que nem é de choradeiras, chorava baba e ranho. “ Eu estive lá e vi!” – continuou. “Eu estive lá e vi como as vizinhas falam dela, a nossa mãe é vista como a maluquinha lá do sítio”. Chorei eu também. Chorei porque ainda havia tanta revolta em mim, tantas mágoas de um passado difícil de esquecer, de perdoar. “ Que queres que a gente faça?” – Perguntei-lhe ainda com a revolta nos lábios; “ela é que quis assim” - continuei  eu na minha teimosia. A minha irmã que nunca se deu por vencida apenas me disse: “ Quero que faças diferente do que ela te fez a ti. Quero ser melhor do que ela, e quero que tu também sejas!”  As palavras dela ainda ressoam nos meus ouvidos : “ que faças melhor do que te fizeram a ti ”. E é isso que se pede aos filhos, não foi  assim que a humanidade evoluiu? Foi a fazer melhor. Acusar, toda a gente acusa: “ tu fizeste isto, tu aquilo” ou “ O meu pai fez-me isto, a minha mãe aquilo” como que a justificar a cobardia de os deixarem entregues à sua sorte. Já lá vão mais de dez anos. “ “A sua mãe tem demência precoce, se a deixar internada na instituição é como se não tivesse família”;  mais de dez anos se passaram desde a  indecisão,” vou fazer melhor?” Era grande a tentação de virar as costas, tínhamos razões de sobra para o fazer, mesmo o mano não se cansava de dizer: “ para mim ela não existe, não a considero minha mãe”. E hoje, ah! Como hoje mudou o discurso, como hoje depois da vida pregar as partidas que tanto gosta de pregar já diz lá do estrangeiro para onde emigrou: “ manda um beijo à cotinha, diz-lhe que a amo do fundo do coração”. E se ela fica feliz! É que apesar de todos os esquecimentos, das memórias que se apagaram ela não se esqueceu do seu menino. Ela errou. Eu erro. Todos erramos, mas não podemos virar as costas uns aos outros. Abandonamos o barco com tanta facilidade quando as coisas não correm como nos dá jeito.  E não perdoamos. Perdoar os outros é também perdoarmo-nos a nós com mais facilidade. É isso que tenho aprendido ao cuidar dela. E se é difícil! É a comida passada, na temperatura certa, é estar sempre disponível, ter alguém sempre dependente de nós para tudo, não poder viajar, não ter um dia para não fazer nada… São os maus odores, as maleitas, as feridas; eu sei lá! Mas tomei uma decisão: tentar fazer melhor. É isso que me apetece dizer aos filhos que abandonam os pais porque estes lhes fizeram isto ou aquilo; agora é a vossa vez, façam melhor. Acaso no lugar deles, com os recursos deles, fariam vocês melhor? Estamos todos no mesmo barco, no entanto, à primeira tempestade, em vez de ajustarmos as velas, saltamos para outro e abandonamos aquele à deriva, só que com esta estratégia nunca aprendemos a navegar em mar alto e perdemos a capitania do nosso próprio destino.

Maria João Varela




2 comentários:

  1. Tenho o privilégio de te conhecer, tenho o privilégio não só de ler, mas saber o extraordinário trabalho que cada dia fazes, transformas e partilhas. Não tentas, tu fazes e és um exemplo não apenas ou só de palavras, mas de toda uma acção, prática. És um exemplo, e eu tenho o privilégio de te conhecer ... e de saber o extraordinário trabalho que todos os dias fazes, transformas e partilhas.
    Gratidão Maria João! Lindo a partilha!

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  2. Eu é que agradeço por te ter como leitora; uma alma sensível como tu! É através da partilha de vivências que nos inspiramos todos os dias a fazer mais e melhor – pelo menos é o que eu penso. Por isso partilho pedaços da minha existência – quem sabe inspirará alguém? É que também eu me inspiro em seres maravilhosos que todos os dias fazem mais e melhor. Obrigada por fazeres parte desses seres humanos , que cada vez rareiam mais, pois fazes-me ter, ainda, esperança na humanidade. Obrigada minha querida. Uma boa semana para ti

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