terça-feira, 15 de julho de 2014

Ponto e virgula

Se eu fosse ponto e virgula,
Essa pausa maior,
não seria um continente de interrogações;
Se  me visses
nesse tempo e espaço
Consciente,
Um pulsar de vida crescente,
em que tudo acontece…
Como posso ser eu,
tão febrilmente palpitante ?
No entanto,  poderia não o ser.

Poderia ser pedra,
sem existência;
feita de ausências,
não fora esta verborreia ininterrupta,
que fala  do íntimo
mesmo sem palavras
e me fazem ser pensante.

Queria acordar e numa vírgula me espreguiçar,
ficar quieta um instante
entre aquilo que é e o que virá a ser,
sem pressa
com lucidez crescente.

De onde vim agora?
No  instante em que acordo
e me torno eu,
neste ínfimo tempo-espaço,
Impercetível  
segredo bem guardado do universo;
poderia nem ser mais eu…

Não quero ser reticências, não!
Antes um ponto final.
Poderia não ser mais eu…
Porque sou feita afinal
de questões sem resposta,
tantos pontos de interrogação
exame de escrita sem solução?
Quero certezas, afirmações.

Quero ser um eterno ponto de exclamação!
Uma eterna surpresa, surpreendida também.

Não quero ser um parêntesis
– na tua vida não -  
antes um traço só,
tudo menos reticências…
nessa infinita incerteza,
em que nada acontece
limbo da existência
onde poderia nem ser eu.

Dois pontos? Talvez
Muito pode ainda ser dito,
pensado e escrito
amado, perdoado e sentido…


 Podes-me pôr entre aspas
 só para me dares mais relevo
Mas dispenso asteriscos,
não quero ser nota de rodapé na vida de ninguém;
antes no cabeçalho...
Mas, para quê tanto afã?
Eu sou simplesmente 
um grande ponto de interrogação…
Não, reticências não!
Sentido de mim suspenso,
entregue num caminho,
quiçá sem retorno;
dá-me antes um ponto final 
e acabemos com a conversa.

Maria João Varela




domingo, 13 de julho de 2014

Corcundas virtuais

“ - Mãe, mãe, olha aqui!” . A pequena não devia ter mais de quatro anos e esperava ,como gente grande, a vez da mãe ser atendida na CGD.  Enquanto isso, entretinha-se, como muitas crianças da sua idade, com um carrinho com um boneco com quem se ocupava querendo mostrar à mãe uma qualquer habilidade que passará para sempre despercebida pois a mesma não levantou os olhos do seu Ipad, ou Iphone ou que seja que tivesse em mãos. Sorria para o aparelho que manuseava com desenvoltura enquanto ia teclando furiosamente para alguém ausente, mas que lhe preenchia a mente mais do que o pequeno ser que ainda tentou de novo com a persistência característica de crianças desta idade: “- Olha, mamã!”.  Agora o apelo era mais forte e a mãe, visivelmente incomodada, esboçou um sorriso amarelo advertindo que não a chateasse.
Pergunto-me, que pode ser mais interessante dentro de um aparelho para que tenha direito ao sorriso e atenção que esta mãe negava agora à filha? Visivelmente desiludida continuou sozinha a brincadeira,  por mais uns minutos, mas claramente se aborrecia por não ter com quem partilhar as alegrias da experiência ou simplesmente para mimetizar o comportamento da própria mãe, posou o boneco no berço e sentou-se mais junto desta  começando a olhar para o ecrã talvez, quem sabe, ciumenta, da atenção despropositada que atraía a progenitora.  A mãe sorriu, agora sim para a criança, que ficou como ela atenta ao que se passava no mundo virtual e completamente alheia à experiência real que poderiam estar a compartilhar juntas.
Pergunto-me que lição terá aprendido a criança desta interação? Talvez que as suas brincadeiras são pouco atrativas, que ela própria é pouco interessante, que terá a atenção da mãe se também, ela, fizer o mesmo que a mãe faz…  claro que se for um caso pontual não tem importância nenhuma, tendo eu observado o que me inspirou a escrita  num momento sem réplica. Mas acredito pouco nisso. É cada vez mais comum ver este tipo de cenas que, quanto a mim, irão ter repercussões que ainda desconhecemos.
Ia deixando passar a sua vez tão alheada estava no divertimento virtual; a experiência real, passou ao lado sem lhe ter pousado a vista em cima… Nunca mais voltará. Até poderá ter uma parecida, mas esta certamente perdeu-se num ato inconsequente cujas consequências, além das desconhecidas, serão, provavelmente, o facto de vir a sofrer de algum tipo de corcunda no pescoço da posição que o mesmo adota para olhar para o ecrã, antevejo já as deformidades que advirão deste abuso e não me compadeço pois estas mesmas informações poderão consultar em qualquer Iphone ou Ipad – para mim é tudo o mesmo – que tenham agora entre as mãos…

Maria João Varela 

sábado, 12 de julho de 2014

E ao final da tarde, amor?

E ao final da tarde, amor?
Quando o sol se desinibia
vindo banhar-se ao Mondego
cujas águas, de um azul profundo,
se raiavam de ouro;
a velha canoa
ancorada, longe da labuta,
compunha, agora, esse quadro vivo.

Mil estrofes de amor,
outrora cantadas por lábios,
como os nossos,
sequiosos de beijos,
ondulavam em sussurros
vindo acariciar-nos os pés descalços,
no leve balançar,
da ondulação vespertina.

Afundava, o velho plátano,
e o coração, talhado nele,
por mãos  febris
de paixões comandadas,
afundava junto…
E os nomes dos amantes,que o amor juntara,
afogavam a paixão de outrora
pela corrente levada.


Só nós e o rio sabíamos
as juras proferidas que iam juntar-se a outras
- quem sabe há já muito esquecidas -
 e que o vento transportava,
quem sabe para onde ou  até quando.
Ficávamos, assim,
indiferentes ao resto do mundo
num casulo impregnado de amor e mel
e de todos os absurdos
que só as almas apaixonadas conhecem.

Maria João Varela


sexta-feira, 11 de julho de 2014

Só por hoje



Hoje, só por hoje,
vou ficar quieta a olhar para ti…
atenta a cada micro e nano gesto que faças;
ver esvair-se e desagregar-se  tudo em volta
apenas e só, ter-te.

Hoje, só por hoje,
vou inalar cada nuance do teu aroma
cuja fórmula desconhecida decifrarei
para com ela fazer um perfume com o teu nome.

Hoje, só por hoje,
ouvirei cada sílaba que pronuncies,
atenta à mínima sonoridade vinda de ti,
a cada palavra que digas;
escreverei um livro para  os amantes
feito de perpétuos sons
de amor feitos.

Hoje, só por hoje,
vou saborear
cada gota do teu sal
temperar o meu dia
com o mar da  tua presença.

Hoje e para sempre
vou-te sentir  em mim
pois entraste no meu ser inteiro
por todas as portas que  te abri.


Maria João Varela



terça-feira, 8 de julho de 2014

Gotas de sol 2


E é sempre assim…
quando se aproxima o fim
chega a urgência,
querer possuir o que
aos poucos, se foi perdendo.
O abraço é, agora, mais forte,
o aperto da saudade já desponta no peito
quero, sofregamente,
todas as nuances da experiência.

Braços abertos,
suspiros, e uma lágrima
que, dissimuladamente, se esgueira
arrastando muitas mais
nessa atração inelutável
que queima e salga os lábios trementes
de quem querendo partir, quer ficar.

E é sempre assim…
tal como o fim de tarde que se esvai,
despedindo-se do dia…
o pequeno arbusto,
ladeado de outros mais robustos,
se delicia com as últimas   gotas de sol
que deslizam, graciosamente,
numa coreografia sem ensaios nem deslizes.  

Por que não te vi antes?
Por que numa passada áspera e firme
passei por ti condenando-te à inexistência? 
E agora choro?
Agora, num desespero calado
vejo ,toco e sinto,  
aquilo que existindo sempre
só agora vejo…

Despeço-me
querendo tudo levar  
num desejo impossível de concretizar.

E é sempre assim…

Maria João Varela


sexta-feira, 4 de julho de 2014

Amor de "velhos"

Caminhavam juntos, muito agarradinhos, não só pelas mãos que iam dadas, mas também pelos olhares que ainda brilhavam quando se cruzavam. Pertenciam um ao outro, sabiam-no, pertenciam-se até sempre; até que a morte os separasse e mais além. Ele, de fato já folgado nas mangas, que os braços eram agora apenas preenchidos pelas parcas peles enrugadas e mirradas e ela de cós a bailar na cintura numa saia cinza que, apesar de tudo, lhe assentava bem. Seguiam bem no centro da rua apilhada de gente: turistas armados de câmaras fotográficas querendo levar para casa parte da cidade, pequenos de uma pré- escola que seguiam qual comboio aos quadradinhos – amarelos, rosa e azuis – muito enfileirados e aprumados, obedientes à voz da educadora que os mantinha na linha imaginária, uma mulher de camisa às bolas vermelhas que balançavam ao ritmo dos saltos agulha, altíssimos, onde se equilibrava a custo; eles seguiam inteiramente alheados de vidas mais cheias de outras cores, só  preenchiam o olhar um do outro, onde se miravam reciprocamente pelo espelho do amor. Sabiam que estavam velhos, mas era só por fora, para os outros, porque eles  próprios viam-se por dentro, e continuavam os mesmos eternos apaixonados; via-se na força com que se agarravam na mão e no orgulho com que pavoneavam o amor mesmo no centro da rua.  Seguiam devagar como quem tem todo o tempo do mundo, ou talvez apenas como quem aproveita, saboreando cada gotícula de prazer que se apresente, que lhe saboreie toda a intensidade; está talvez aí o segredo de quem já tem menos tempo para viver, talvez viva mais cada momento, não sei. Talvez apenas que o amor não tenha constrições cronológicas, ou apenas quando se sabe que é , mesmo, para sempre  assim, seguro, se apresente com essa intensidade. Não era um amor qualquer, isso percebia-se pela altivez dela malgrado a corcunda que a sugava para a terra – haverá alguma mulher mais segura de si do que aquela que se sabe amada pelo seu homem? – era feito de respeito que se via pela amabilidade das palavras que trocavam; era confiança pois entregará alguém a velhice, assim, de uma forma tão absoluta, a um qualquer desleal? E era também amizade, que casal sobrevive sem uma boa dose desta, quando todos os outros atrativos se foram? 

Maria João Varela