domingo, 16 de setembro de 2012

Tsunami



Gostei de ver o povo português assim unido num protesto; até os mais relutantes saíram à rua: eu não.  Não fui. Não que prefira qualquer outra tarefa mais interessante mas, simplesmente, porque me identifico completamente com as palavras de Madre Teresa de Calcutá quando diz: “ convidem-me para manifestações que digam sim à paz e eu irei, agora contra a guerra; jamais! Porque aí o ênfase é dado à guerra.
Ouvi  muitos dizerem que querem outro 25 de abril mas, a meu ver, e como já diz o ditado o rio não passa duas vezes no mesmo sítio querendo com isto dizer que jamais as condições serão idênticas e vejo muitas diferenças daquela época para esta  e dos interesses diferentes que estavam em jogo. Uma das diferenças mais relevantes diz respeito àquilo que as pessoas queriam e ao facto de saberem exatamente o que queriam, e agora, saberão? E eis-me chegada ao motivo principal porque não me juntei à população: sei perfeitamente o que as pessoas – eu incluída – não querem, mas o que querem elas? Quererão que saia o PSD para voltarem a colocar no seu lugar o PS?
Só ouço que não queremos mais desemprego, não queremos troika, não queremos passos coelho – com minúscula e tudo – não queremos muita coisa, mas o que queremos no fim de contas?
Diz-se que a necessidade aguça o engenho e tenho que reconhecer que aqui o povo português foi de uma criatividade sem par, os cartazes, empunhados por furiosas mãos – algumas cansadas de tanto trabalho sem o justo contributo – tinham verdadeiras obras de arte indo do humor negro  ao sarcasmo  mais corrosivo como se todos nós tivéssemos já nascido para isto: fazer cartazes e empunha-los e , segundo consta, muito do que se viu foi espontâneo tendo as pessoas começado a juntar-se sem que nada fizesse prever  o impacto numérico – ainda por cima num sábado de verão como este em que noutras circunstâncias estariam todos de papo para o ar a ouvir o famoso refrão: “ Olha a bolinha de Berlim, croissant d’ovo…”  «Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades» como dizia  Camões.
Confesso-me um pouco envergonhada por ver tanta gente que luta, que pede mudança, que diz “Não”, que diz “Basta” e eu aqui fiquei assim, impotente, petrificada, sem me apetecer mexer; a verdade é que não sei bem o que quero e como quero. Não sei que partido lá quero, não sei que medidas me assustam mais se estas em que claramente o país vai ao fundo dentro em breve, se outras em que tudo é suposto ficar como até aqui; eu só sei que nada sei – como Sócrates, o filósofo, porque o outro sabia e era muito…
Pois, e assim continuo sem saber se quero esquerda se direita, se Monarquia ou República, anarquia ou ditadura, se sol ou chuva, frio ou calor,  fome ou gula. Mas quero dizer “Sim” e não dizer “Não”, pois no dia em que soubermos para onde queremos ir, nesse dia, será dado o passo sem retorno e aí será um tsunami e não uma onda de gente.


sábado, 8 de setembro de 2012

viciada em livros


Dizem que os livros são como um amigo, qual amigo qual quê; um livro, ou os livros neste caso, foram a mãe, o pai, os irmãos, a família inteira… não saberia viver sem eles. Nunca escolhi nenhum, foram sempre eles que me escolheram a mim, insinuando-se com as suas sedutoras  capas de cores brilhantes. O bailado das letras agarra-me, hipnotizando-me, e já só me vejo a dizer à livreira: “ quero este!” e pronto, já está. Lá me leva ele para casa e já não mais me larga até que acabe de o desfolhar  primeiro, devagarinho , como quem tateia um mundo desconhecido, tomando conhecimento do seu cheiro único – é isso, acho que é o cheiro que resolve o dilema com que me deparo às vezes quando, indecisa, demoro a escolher – do tamanho das letras e número de páginas e não faz mal se são muitas, só não me chateiem até que acabe de o devorar.
Cresci a ler, saí cedo da escola, mas nunca me faltaram livros; comida sim, às vezes, mas livros nunca. Se as pessoas se medissem em cima das pilhas de livros que já leram em vez de descalças como normalmente, eu seria enorme, seria uma top model sem rival… às vezes penso que não fui formatada na escola e por isso dou por mim a pensar diferente, sem falsas modéstias, eu penso diferente e a culpa é deles, ou melhor dos seus autores, pessoas de todo o mundo, e eu cresci assim a ler pessoas de todo o mundo,  sem a pressão dos exames podia ler e reler vezes e vezes sem conta e refletir no que lia sem que alguém me dissesse que estava na hora de fazer um exame e deixar de pensar no assunto.
Só já na vida adulta me sujeitei aos exames que fui passando, mas já nada havia a fazer a minha mentalidade universal estava já formada, por isso sinto-me cidadã do planeta terra que eu adoro, mas não gosto de patriotismo bacoco. Quem lê e lê muito e reflete no que lê é mais tolerante porque conseguimos ver sob muitas perspetivas diferentes:  O famoso “Madame Bovary”  de Gustave Flaubert que pelos olhos de uma adúltera nos mostrava a fragilidade humana que conseguia ter  alguém que assim enganava o pobre Charles, o marido; Eça de Queirós com o seu fiel retrato da sociedade portuguesa do séc. xıx que se mantém, infelizmente, atual; Os irmãos Frochard de Arsène Blanc que li e reli vezes sem conta com uma lanterna a pilhas por debaixo do lençol -  não que me proibissem de ler, mas porque não tinha eletricidade -  e que me fez viajar por todo o mundo vendo através dos olhos perspicazes do autor que  contava como, por sua vez, as suas personagens viam o mundo, e eu sonhava, vivia uma realidade difícil mas sonhava e sabia que havia um mundo melhor do que o meu e bem maior . A imaginação soltava-se e eu estava ali sem estar. Nada, nunca, pode substituir um bom livro.
Por isso sou rica, rica não, milionária, bilionária, não trocaria todas estas experiências por nenhuma riqueza “ material” deste mundo, deveria mesmo existir uma revista como aquelas que existem para medir a riqueza material e que medisse o número de bons livros que alguém já leu e o número de horas que refletiu sobre eles, estaria entre os primeiros lugares , não tenho dúvida nenhuma.
 Ler, pensar,  “digerir” as ideias expostas e torna-las nossas e depois, só depois, deixar que a boca se abra, ou a mão escreva  o que se pensa sobre a questão porque aí sairá uma ideia novinha em folha , o conhecimento assim absorvido quando divulgado já sairá de roupagem nova  já lhe terá sido acoplado algum do conhecimento único que cada pessoa contém  criando assim conhecimento totalmente novo. É assim, a meu ver, que uma sociedade evolui e não divulgando o conhecimento tal e qual ele se encontra exposto.
imagem retirada da net

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Semente venenosa




Estamos a viver num país em que todos culpam todos e nunca ninguém se senta  e, sozinho com os seus botões, se pergunta onde foi que eu errei? Que posso fazer daqui para a frente para que tudo corra melhor? É muito fácil criticar, já assumir responsabilidades é sempre muito difícil, no entanto, é o único caminho para a mudança.
 Onde foi que errámos? Onde continuamos a errar? Que passos devemos dar para a mudança ocorrer? Estas perguntas deveriam ser respondidas por cada um de nós. Já não há paciência para criticas, acusações, sentimentos de injustiça, indignações; onde é que isto nos leva? A lado nenhum, só se consegue aumentar o desconforto pela situação, mais nada. 
Numa reportagem que li a propósito da Islândia e das mudanças que tinham feito, lembro-me que uma das coisas que mais me impressionou foi o facto de eles praticamente não se queixarem, no entanto, saíram para a rua e mudaram as coisas, porque será? Que têm eles que nós não temos?  Nós falamos muito e agimos pouco e para nós os outros são sempre os culpados e nós próprios somos uns anjos na terra. Onde estão as mães e pais desta geração? Onde estão os que educaram estes que, agora chegados  ao topo, açambarcam os restos que ainda há para açambarcar tal qual  cães vadios que revolvem os fundos dos caixotes do lixo buscando, esfaimados, o que sobrou das copiosas refeições de outrora? Eu respondo, estão por aí, estão por todo o lado, ao nosso lado, somos nós; por mais que custe, somos nós…
Sempre que educamos no sentido dos nossos filhos levarem vantagem, de serem os melhores, quando fazemos comparações: “ Já viste  as notas do filho da “C”? Tens de te esforçar para seres melhor do que ele  para a próxima; Já viste o namorado da “I” ? A família dele é dona de metade cá da terra, se ao menos tu também arranjasses um assim”; “o vizinho comprou um carro novo, deve ter custado um balúrdio, está na hora de trocarmos o nosso…”, sempre que o fazemos estamos a incentivar a mentalidade que combatemos depois, naqueles que, tendo o poder, mais não fazem do que seguir o que lhes foi ensinado. É bom que nos consciencializemos de que sempre que valorizamos alguém simplesmente por aquilo que acumulou, por aquilo que tem, pelas vantagens que alcança estamos a incentivar as novas gerações a manter esta mentalidade que nos está a afundar.
Comparações, a existir, devem ser feitas olhando para aquilo que éramos e que agora somos; ou que os nossos filhos eram e são agora, valorizar o esforço e não os resultados, valorizar atitudes e não bens acumulados, aceitar diferenças e “fraquezas” ajudando a melhorar , incutir outros valores.
Os responsáveis pela nossa situação somos todos nós, com os nossos comentários,  atitudes pouco refletidas  e quando mais depressa o aceitarmos mais depressa começaremos a mudar este país que continua o mesmo que  Eça de Queirós imortalizou. Façamos cada um  Mea culpa  e comecemos a educar os nossos filhos de forma diferente e, na próxima geração teremos um país melhor, pois ou muito me engano ou podemos  mudar de governo todos os dias e mesmo assim até ao final do século nada mudará porque a semente venenosa é deitada à terra, todos os dias, por todos e cada um de nós.




(imagem retirada da net)

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Partir e chegar



Seria bom estarmos sempre de partida e sempre de chegada… nada se compara a um cenário observado pela primeira vez;  aos sons que ouvimos estranhando os graves e os agudos, os sussurros  das notas cantadas pela natureza e que, estando lá sempre, pelo menos a nós que agora chegámos, nos parecem de uma beleza que passa despercebida a quem já se habituou.

E é este “habituar” que é preciso contrariar, é este acostumar embrutecendo o que é belo que urge combater. Como os sentidos despertam quando contemplamos uma paisagem pela primeira vez!  Como os aromas nos parecem únicos e de um prazer sem começo nem fim que nos atordoa e faz a vida valer a pena!  Partamos, pois. Não importa para onde, mas partamos para podermos chegar e saborear como uma criança saboreia um fruto doce pela primeira vez.

A partida, essa, também tem o seu encanto. É quando queremos tudo abarcar pois já nos falta o que ainda temos;  temos sem ter, já não sentimos nosso o que está diante de nós e mesmo a olhar, tocar, sentir, mesmo assim não é nosso. Até o doce nos parece mais doce e a brisa mais fresca, o que era feio agora é  bonito e o aborrecido ganha novos encantos descobertos à última  hora enquanto  perguntamos porque não olhámos com mais atenção enquanto havia tempo… Agora já não há. Resta a nostalgia e a leve esperança de regressarmos um dia e vivermos o que nos faltou viver agora. Só que esse dia nunca chega; mas nós chegamos a algum lugar, aproveitemos então enquanto é tempo o raro despertar dos sentidos e nunca, mas nunca, nos deixemos “habituar”.
















(imagem retirada da net) 

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Ruas da amargura




Ao ver um programa como “ruas da amargura” que passou na RTP 2 – aquela  que vai ser sacrificada porque é a única que impede que sejamos todos acéfalos – vive-se várias emoções distintas e contraditórias. Já estava para me deitar pois acordo de manhã cedo, mas não me pude impedir de continuar a ver porque fiquei presa ao drama tão humano que é o facto de ser um sem-abrigo desprezado por (quase) todos.
Passei por vários estados de espírito diferentes porque o documentário está, a meu ver, muito bem conseguido pois nem se atém a passar uma mensagem de miserabilismo nem pinta de cores agradáveis um quadro que é de uma agrura que ultrapassa a imaginação.
Numa associação livre de ideias, sem a interferência do entrevistador, os sem-abrigo contam como foram lá parar e o que mais me impressionou foi a extrema lucidez de alguns deles e a aceitação da sua quota de responsabilidade na  situação. Citando um deles: “ Eu estou aqui por minha responsabilidade, quando a cabeça não tem juízo o corpo é que paga, deixei-me levar pelo jogo…” Isto é um ensinamento para muitos dos que passam a vida a responsabilizar os outros por tudo o que lhes acontece na vida. Na verdade, muitos deles pareciam até mais felizes do que muitos do que achamos terem uma vida normal, mas talvez seja só o que aparenta para quem não está como eles sujeito a todas as vicissitudes de uma vida passada ao relento e longe do afeto que proporciona uma vida familiar. Que alguns se mostravam bem dispostos, é uma constatação que fui fazendo ao longo do documentário, talvez devido ao facto de o dia já ir longo – para eles – e os copitos já irem fazendo o seu efeito? É, muitos confessam ser o vício que lhes roubou a vida. Não nos apressemos, contudo, a demarcarmo-nos duma eventual queda numa situação destas não vá o “diabo” ouvir-nos e só para mostrar que tem mais força trazer-nos uma situação que não consigamos ultrapassar.
Admiro imenso o trabalho (quase) anónimo que fazem estes voluntários que, sem juízos de valor, vão trocando as seringas, distribuindo preservativos, oferecendo um prato de sopa quente ou mais uma manta, tudo objetos muito apreciados por aquelas bandas.  Aprecio fundamentalmente a forma humana com que os tratam e o respeito até pelas suas irresponsáveis atitudes como quando recusam ajuda. Assisti também estupefacta à solidariedade com que alguns deles se ajudam com o pouco que têm demonstrando que mesmo nas piores circunstâncias se pode encontrar algo que escasseia por todo o lado: o altruísmo.
Uma das conclusões que se vai tirando é que são os vícios que vão atirando muitos para a rua, cansadas as famílias de tanto lhes tentarem pôr juízo na cabeça, mas muitos outros não tiveram simplesmente uma ajuda num momento de maior desequilíbrio ou suscetibilidade e isto faz pensar, pois parece muito ténue a diferença entre ter uma vida estável ou uma vida em que se é um pária da sociedade. Vale a máxima: antes de julgares tenta compreender.


   ( imagem retirada da net)



segunda-feira, 27 de agosto de 2012

O senhor fulano de tal



No nosso país com complexos de periferia, tudo se faz para chegar ao topo da hierarquia, mas longe de ser uma coisa desejável como noutros países, na minha opinião, é algo triste e sórdido…  É que, na grande maioria das vezes, sendo mulher e chegar lá – ao topo – estando cá – neste país – significa nada mais que estar na base da cadeia alimentar. Sendo homem significa que já há muito se perdeu o respeito próprio.
Sinto compaixão por quem lá está e por quem, não estando, queria estar. O senhor fulano de tal, a senhora dona a quem tiram o chapéu quando passam são uns pobres desgraçados que não sabem que o são, só quando caem em desgraça disso se apercebem; os que se vergam em vénias tais que se lhes rasgam os fundilhos enquanto lhes vai crescendo água na boca na esperança de chegarem a ser, também eles, venerados , estes sabem a sua triste condição de abutres dispostos a regalarem-se com os restos mortais dos outros. Que triste figura, uns e outros.
 Não têm amigos, nem o amor lhes bate à porta, são invejados, mas não amados, são desprezados e atraiçoados, mas depois que lhes retiram o título são simplesmente esquecidos  e aqui é que sofrem horrores porque sentem asco de si próprios.  Não souberam merecer o mais genuíno respeito, o seu próprio, que é o que mais conta pois é baseado no conhecimento daquilo que é público – o comportamento – e do que é privado – as verdadeiras intenções. Foi-se o título, foi-se o orgulho. Nunca pensaram fora do sistema e agora, sem sistema, não sabem sequer pensar.
Desconfio pois de postos de relevo e das suas comanditas no nosso Portugal, salvo raras exceções, não é bonito de se ver, é o caixote do lixo, a escumalha, os que enxovalham todos os valores que importam. Os que se querem manter íntegros, libertos, mantêm-se longe das suas perniciosas influências.
Pergunto-me frequentemente que país seria o nosso sem este sistema em que (quase) todos fazem especiais favores ou estão à espera que lhos façam. Não deixo de imaginar que tantos dos que achamos serem cidadãos de segunda, mais não são do que aqueles cujos princípios não lhes permitem que se vendam, ou por outras palavras, aqueles cuja consciência do seu valor não lhes permite venderem-se por tão pouco: um posto onde os outros lhes fazem a vénia esperando que se vão para se alimentarem dos restos.
Respondo frequentemente que sem este sistema – qual bicho a que ( quase)  todos uma vez por outra damos de comer -  seríamos um país evoluído onde chegaria ao topo quem mais contribuísse para o desenvolvimento e prosperidade,  quem menos se vendesse a interesses mesquinhos, quem sentisse orgulho de vestir a própria pele, quem procurasse a excelência e o conhecimento, quem pensasse por si próprio e não o que as massas ditam; neste país os   verdadeiramente excecionais seriam vistos como tal por todos e não só por eles próprios e pelos poucos, mas bons amigos que têm , desta forma, todos ficaríamos a ganhar.
                                                 (imagem retirada da net)

domingo, 26 de agosto de 2012

Desencontros



E se hoje eu fosse como sou? Se me deixasse conhecer em toda a minha humanidade tão frágil e trágica quanto deliciosamente única e esplendorosa? Porque insisto  em me  esconder, resisto a mostrar o que me  faz única e ao mesmo tempo  igual? Se ao menos eu soubesse que também tu tremes perante o desconhecido; se imaginasse que também tu te perdes e esvazias de sentido, talvez me deixasse ver por dentro.
Num relampejo de coragem apetece-me descobrir-me do manto pesado e negro que me cobre da ameaça do mundo. E se eu me abrisse? E se eu deixasse descobrires o tesouro tão bem guardado que possuo e que só eu conheço? Ah, mas primeiro, teria de te mostrar a casa dos terrores, dos medos inconfessáveis, dos monstros amordaçados, das léguas por percorrer; teria de dar nome ao deserto da alma e convidar-te a atravessá-lo comigo… quererias tu? Dar-te-ias ao incómodo de partilhares os horrores para descobrires o tesouro?
Foi-se a fugaz coragem, e deixo-me estar assim, envolta na névoa da desconfiança ;querendo falar, calando;  querendo mostrar, tapando ; querendo ser eu,  disfarçando.  E o tempo vai passando, esqueço-me do eu que sou e passo a ser o eu que penso que queres que eu seja. E tu? Tu fazes o mesmo e, embora nos toquemos por ínfimos instantes,  esculpimos abismos, cada dia que passa, mais  e mais escarpados, nunca nos  descobrimos nem encontramos.   

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Só por hoje



Hoje, só por hoje, vou ficar assim quieta a olhar para ti… E vou ver cada micro e nano gesto que faças.  Vou parar de olhar tudo o resto e tudo se esvairá e desagregará perante a experiência de te ter.
Hoje, só por hoje, vou inalar cada nuance do teu aroma cuja fórmula desconhecida decifrarei para com ela fazer um perfume com o teu nome.
Hoje, só por hoje, ouvirei cada sílaba que pronuncies, atenta à mínima sonoridade vinda de ti, atenta a cada palavra que digas e escreverei um livro para todos os amantes feito de sons perpétuos .
Hoje, só por hoje, vou saborear cada gota do teu sal e temperar o meu dia com a tua presença.
Hoje e para sempre vou-te sentir  em mim pois entraste no meu ser inteiro por todas as portas que  te abri. 


terça-feira, 21 de agosto de 2012

A flor e o colibri



E se alguém te oferecer flores, aceita, agradece e sorri e faz como o colibri, deleita- te e confunde-te com elas…
 O colibri é uma flor, leva emprestado as suas cores e quando poisa são um só. Sê como o colibri que se refresca e alimenta e acrescenta mais uma pétala de encanto.
Vê e ouve, cheira e sente; agarra o momento presente, sê a flor e o colibri que juntos se fundem e confundem num momento fugaz, mas eterno, esculpindo-se um ao outro.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Fruta fresca



Afastei-me do mundo e só te vi a ti.
O teu cheiro suave e fresco invadiu-me e então entreguei-me completamente à experiência de te saborear.
Que bela e fresca és. Que suave textura quando me beijas de doces e húmidos beijos.
Não quero mais nada. Só ficar assim. Entregar-me a ti e, por um momento, longo, sentir que te derretes em fios por mãos divinas tecidos; que doce sabor de desejo feito. Como te quero…
A tua cor de amarelo maduro não me deixa ver outras cores para além da tua e, assim, por um momento, longo, tiveste-me só para ti.


sábado, 18 de agosto de 2012

ISP - o novo imposto


Sou a favor de um novo imposto. Não se assustem que depois de me explicar vão ser a favor dele também.
Sou a favor do ISP. Este novo imposto criado por mim, e do qual o governo ainda não ouviu falar, mas logo que ouça e o implante permitir-lhe-á, de uma assentada, acabar com o défice e libertar milhares, ou mesmo milhões, da tirania das palavras ocas, opiniões mal formadas, e algaraviada caótica com que nos bombardeiam todos os dias.
O Imposto Sobre as Palavras vai fazer recuar um pouco quem  se aproveita delas  - as palavras -  estarem a preço de saldo para as projetar em todas  as direções quer  as queiramos quer não. Em cada esquina, lá está um fala- barato em vigília permanente, pronto a vender-nos o que não queremos e, caso recusemos entregar-lhe o nosso dinheiro em troco de umas tantas palavras mal pensadas, irrefletidas, inacabadas, não faz mal: longe de ficar desarmado oferece-as, impinge-as, obriga-nos a comê-las; doces ou salgadas, grandes ou pequenas, bonitas ou feias, alegres ou tristes.
O mais triste disto tudo é que os visados pelo novo imposto serão apanhados de surpresa – também eles estavam felizes pelo imposto que os livraria de todos os indivíduos  inconvenientes -    e, revoltados pela injustiça, irão bombardear todos os empregados das finanças com as suas queixas, justas ou injustas, grandes ou pequenas, lentas  ou rápidas, escritas ou faladas; preparem-se pois todas as repartições porque os fala-barato não sabem que o são – daí o seu justificado sentimento de injustiça . Não têm tempo de o saber  tão ocupados estão em, certeiramente, nos enfiarem umas quantas palavras pelos dois ouvidos adentro.




O chico espertismo português




Desde que me lembro sempre me repugnou o chico esperto. Peito estofado, andar arrogante, muito dono de si, desenrascado, bem-falante e amante do improviso. Mas, sempre senti que estava um pouco sozinha nesta minha repugnância.
Quem já não viu este admirado ser, rodeado de gente divertida e aprovadora para com a sua esperteza, enquanto relata sem pejo a sua maestria que vai desde enganar o fisco até ao copianço – sem suspeita alguma do professor – de passar à frente dos outros numa fila de supermercado ou no acesso a uma consulta numa qualquer especialidade hospitalar, entrar sem pagar bilhete no concerto já superlotado ou ver aprovado um projeto por conhecer a pessoa certa no cargo certo.
Seria de esperar que depois de enganarem o sistema – e por consequência todos nós – se privassem depois de relatar as suas toscas aventuras, mas não; pelo contrário, relatam-nas a todos quantos possam porque chico espertismo sem audiência não tem a mesma graça; seria também de esperar que, nós, os enganados, de alguma forma os reprovássemos, mas, mistério dos mistérios, achamos muito engraçado as suas “histórias de enganar” e se vemos alguém que não tem a mesma habilidade ainda os apontamos como modelo a seguir pelos menos habilidosos nessa arte do desenrascanço.
Neste clima onde só não engana quem não pode ou quem não tem habilidade é pois de esperar que quem tem cargos de poder e tenha habilidade – se não tiver dificilmente lá chega -  usufrua de tudo quanto possa e ainda se vanglorie disso.
Quando nós formos capazes de apreciar mais o esforço do que os resultados de alguém, quando apreciarmos mais a honestidade do que a esperteza saloia, quando repararmos mais num sorriso sincero do que num belo carro, quando aprovarmos as pessoas pelo que elas são e não pelo que elas têm,  aí sim , as coisas começam a mudar, pois sem o apreço alheio, sem que alguém nele  repare, sem aprovação de quem o rodeia o chico esperto desintegra-se pois sem audiência  está condenado á triste figura de um ator decrépito sem palco.


Um Deus bondoso ou o precursor do Saw?




Depois das últimas descobertas da neurociência a propósito da existência de consciência nos animais – pelo menos nos vertebrados -  os crentes vão ter de escolher qual das características com que  habitualmente dotam o seu Deus afinal está ausente. Ou então vão ter de rever o mito da perda do paraíso e subsequente vida de sofrimento devido ao pecado de Adão e Eva que comeram a malfadada maçã e que por esse inócuo facto nos condenaram a nós, a sua legítima prole, a um destino cruel cuja consequência final é a morte.
A  religião católica – e penso que as de origem cristã em geral -  qual advogado do diabo, defende o seu Deus da acusação  de malévolo por ter criado o mundo  com tanto sofrimento dizendo que os Homens, tendo livre arbítrio, têm o poder de decidir-se  pela salvação ou não; ora que eu saiba o mesmo livre arbítrio nunca foi dado aos animais que têm sido encarados  para  livre usufruto dos seres  humanos. Esquecendo todos os problemas que o livre arbítrio levanta pois  tudo o que é fundamental  na nossa vida não escolhemos de todo: os nossos pais;  os nossos filhos; o país em que nascemos e por consequência a nossa cultura, crenças e educação; além de que até a escolha de um (a) companheiro (a) está dependente  - segundo alguns estudos – de químicos que não controlamos, esquecendo estas incongruências, fica a questão de os animais não  terem livre arbítrio e mesmo assim serem conscientes, se não pecaram e mesmo assim são plenamente conscientes do sofrimento que lhes é infligido, então ou não foram criados por um Deus sumamente bom ou equiparam-se-nos no que ao livre arbítrio diz respeito e pecam  enquanto  se deliciam na carnificina que levam a cabo.
Mas se os animais afinal também pecam pois plenamente conscientes que é o requisito fundamental  para se escolher entre o bem e o mal, então vai ser preciso elaborar o livro sagrado dos animais que dê conta do seu paraíso perdido e da causa de um Deus omnisciente ter cometido duas vezes o mesmo erro…ainda se pode dar o caso de aos animais só ter sido dada a consciência do sofrimento sem o direito à livre escolha  e, assim, sabem que vão fazer sofrer quando se comem uns aos outros, eles próprios sofrem quando estão prestes a ser devorados, mas nada mais podem fazer senão acatar as ordens do superior. E isso seria ainda mais perverso.
Se dissermos que o Deus que os criou é um Deus perverso que se delicia ao ver  o produto da sua criação, para sobreviver e se reproduzir , ter de matar ou morrer então, como só existe um Deus , o nosso por consequência é também cheio de perversão e rebola-se a rir enquanto nós vertemos lágrimas. Quem viu o saw – jogos mortais – tem um  belo meio de comparação para o género de liberdade de escolha que é dado às vitimas.
Depois de bem ponderados os factos só posso afirmar que, finalmente, se fez luz no meu espírito, e que percebo agora que Deus não quis que comêssemos da árvore do conhecimento pois tinha muito medo que descobríssemos ou a sua maldade, ou incompetência, ou as duas juntas; afinal comer do fruto proibido não foi tão inócuo assim.
 Visto os factos, Deus só pode ser perdoado pela sua inexistência pois se existisse, o único castigo para esse facto seria ser queimado eternamente no inferno que ele próprio teria criado.


sexta-feira, 17 de agosto de 2012

gotas de sol



E é sempre assim, quando se aproxima o fim chega a urgência de possuir o que aos poucos se vai perdendo. O abraço é agora mais forte, o aperto da saudade já desponta no peito e quero  sofregamente assimilar todas as nuances da experiência.

Olhos e braços abertos, suspiros, e uma lágrima que dissimuladamente se esgueira arrastando muitas mais numa atração inelutável que queima e salga os lábios trementes de quem agora querendo partir, quer ficar.

E é sempre assim, tal como o fim de tarde que se esvai, despedindo-se do dia , quando o pequeno arbusto, ladeado de outros, mais robustos, se delicia com as últimas   gotas de sol que deslizam graciosamente numa dança de coreografia sem ensaios nem deslizes.  
Porque não te vi antes? Porque numa passada áspera e firme passei por ti condenando-te à inexistência?  E agora choro? Agora, num desespero calado vejo ,toco e sinto, pela primeira vez ,aquilo que existindo sempre nunca existiu para mim se não agora que me despeço, querendo tudo levar  num desejo impossível de concretizar.
E é sempre assim…



quinta-feira, 16 de agosto de 2012

O monstro




O maior monstro de todos os tempos mascara-se, adapta-se e sobrevive nas sociedades modernas que, tanto o odeiam como adoram, numa ambiguidade difícil de entender e que permite que ele alastre e se cristalize criando ramificações, cada dia que passa, mais profundas e de inumeráveis feitos perniciosos.
Esqueçam a terrífica figura do Adamastor que tragava barcas e navegadores; este monstro, qual encarnação do mal, não tem alvo predileto. Avança afetando todos os estratos sociais, todas as profissões, idades, géneros, não poupa novos nem velhos e tem mil rostos todos diferentes. É assim tão poderoso porque não podemos viver sem ele, ou pelo menos sem alguns dos seus efeitos; é velho, muito velho mesmo… sem ele, nem sequer aqui estaríamos. Por isso mesmo, por aquilo que fez e ainda faz por nós, ainda lhe devotamos tanto respeito sem levarmos em conta que, hoje em dia, longe de nos proteger como outrora, usurpou todas as funções que lhe tinham sido entregues e deturpando-as, subverteu-as a seu bel-prazer e para nossa ruína.

Quem com ele sofre ou já sofreu já sabe que falo do “monstro” do estresse. Ele nunca descansa nem deixa descansar.  Traz-nos  extenuados, irritados e mal-humorados durante o dia, atrapalha-nos o sono e também os sonhos durante a noite, afeta  os relacionamentos e o trabalho. Esqueçam todas as outras  ameaças: aranhas, tigres, cobras e lagartos, todos os predadores de quem era suposto ele  nos proteger aumentando a acuidade visual, a força e poder – daí a sua atratividade – é ele o inimigo! Passou de protetor a protegido pois é ver com que força nos agarramos a esta desregulada vida quando surge oportunidade de lhe virarmos as costas. Seduz-nos com a sua força que depois  vira depressão, parece manter-nos vivos para seguidamente com uma facada traiçoeira nos deixar esvaídos em sangue e com os pés para a cova; não nos deixemos ,pois, iludir , já não temos as ameaças da selva, bem identificadas, hoje, tudo é uma ameaça. Pelo menos quando ele – o monstro – toma o poder.

Em seu poder, engordamos, ficamos carecas e enrugados, temos Alzheimer ,  somos despedidos e desprezados, temos cancro e até o nosso sistema imunitário se vira contra nós, ah! E como se não bastasse já não queremos sexo, perdemos o encanto e o nosso parceiro(a) também , desvirtuamos o nosso sangue com gordura e açúcar a mais, quebram-se-nos os ossos, deformam-se-nos as articulações e os intestinos descontrolam-se, tanto por defeito quanto por excesso… querem mais? Já chega – para já -  que até os monstros têm um pouco de vergonha na cara.

Este incomensurável  monstro dá-se bem encafuado, parado e sempre atrasado, assoberbado de tarefas múltiplas , em mentes descontroladas; faz-lhe bem ao ego imaginar mil cenários ameaçadores que nunca se verificam, não relega responsabilidades ficando com os problemas todos só para ele e, ainda por cima, nos faz sentir orgulho nisso!

Tem uns quantos inimigos que sozinhos nada podem contra ele, mas juntos, mantêm-no no seu devido lugar, nas tarefas que lhe competem – síndrome geral de adaptação ou, por outras palavras resposta adaptativa de luta ou fuga. É que este é um monstro como outro qualquer, tem as suas fraquezas. Dá-se mal em contacto com a natureza; não gosta de ar puro nem de exercício – cansa-se logo e desaparece – nem gosta de umas boas e descansadas horas de sono nem tampouco de frutas e legumes – argh! – e não aprecia especialmente uma mente relaxada tipo zen. É isso, agora que lhe foram descobertas as fraquezas, estaremos preparados para lhe dar caça?

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Gosto de palavras felizes




Gosto de palavras, ditas e pensadas. Gosto de as saborear, possuir, nelas me deleito, com elas me deito e nunca me cansam. São tantas! Infindáveis. São tantas que podemos gastar todas as vidas que existem e já existiram que nunca conseguiremos esgotar as frases que com elas podemos compor.
Mas, muito cuidado. Com elas podemos amar, mas também morrer e matar. Uma palavra na hora errada pode destruir um sonho, arruinar uma vida, acabar com a alegria de alguém. Somos tão pouco sensatos com as palavras que falamos sem pensar e, assim, magoamos, humilhamos e voltamos a falar…
Gosto de palavras doces, que cuidam, enaltecem e nos fazem felizes, daquelas que aquecem, embalam e rodopiam deixando salpicos de ternura. Gosto das carinhosas que com toques leves nos acordam de um sonho mau, das que são ditas com o intuito de libertar.


E as que dizemos a nós próprios? As que repetimos tanto que com elas nos fundimos passando a acreditar que somos unos com elas e que nada nem ninguém nos pode separar? Mais cuidado ainda! Pensemos  e voltemos a pensar antes de nos emaranharmos  nas teias, por nós  tecidas, de palavras ditas sem pensar. 


terça-feira, 14 de agosto de 2012

O dilema dos ouriços



A parábola dos ouriços é paradigmática dos relacionamentos humanos. Conta a história que num certo dia gélido e arriscando a morte, ouriços de picos espetados resolveram aproximar-se dos seus congéneres para se aquecerem. O resultado como é bom de ver não podia ser mais desastroso, como se não bastassem os próprios picos ainda tinham de ser furados pelos picos alheios. Afastaram-se e começaram novamente a enregelar pelo que se aproximaram outra vez. E assim por diante até conseguirem encontrar uma distância ótima para nem serem picados, nem morrerem de frio.
Esta história foi contada por Schopenhauer, o filósofo alemão do século XIX , e ilustra o facto das relações humanas de maior proximidade serem as que maior gratificação podem trazer , mas também, mais  probabilidade têm  de magoarem. Encontrar a proximidade ideal, é pois, essencial para relacionamentos duradouros e satisfatórios.
Nada mais há de tão complicado na vida como a convivência diária e para a qual estejamos tão mal preparados. Não há famílias felizes, dizem alguns, quando muito toleramo-nos a custo e arranjamos, por vezes, distâncias demasiado longas que nos proporcionam um frio quase intolerável. É necessário, pois, encontrar a distância correta; mas como?
Que saudades quando os entes queridos estão longe, nessas alturas só lembramos as brincadeiras, os bons momentos que passámos juntos, o inverno à lareira a contar anedotas, ou as traquinices que fizemos no verão;  recordamos a forma única como ele ou ela nos compreende, como nos consolou quando fomos rejeitados pela primeira vez, como nos faz rir à gargalhada como ninguém… mas quando juntos, as virtudes dele ou dela desaparecem num ápice e já só vemos os defeitos: a forma barulhenta com que mastiga, o jeito despreocupado com que deixa coisas espalhadas pela casa, aquele hábito irritante de desaparecer sem dizer para onde, etc. ad infinitum
Esta tendência inata em ter saudades quando estamos longe e fartarmo-nos rapidamente quando estamos perto é que está na origem dos problemas, na minha humilde opinião. Só que para contrariar esta tendência é preciso fazer um esforço diário, um esforço consciente para quando estamos longe imaginar os defeitos e quando estamos perto só vermos as virtudes. É difícil? É. Mas o que é fácil e interessante?






segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Os deuses devem estar loucos




Entediados como só pode estar quem passa pela eternidade sem nada para fazer, os deuses menores dirigiram-se ao Deus Mor para lhe pedir algo que os distraísse do inferno do tédio a que o paraíso os tinha condenado. Deus Mor compadecido, consentiu que criassem um mundo com seres animados que os pudessem distrair mas, tinha de obedecer a algumas regras para poder ser divertido senão, poderia simplesmente ficar sem graça, como aquele onde viviam pois embora fossem deuses muito diferentes uns dos outros, pelas próprias regras de um paraíso nada de interessante se podia passar ali; era uma mesmice.
A primeira regra que o mandão ditou foi que o mundo , depois de criado jamais voltasse a ser tocado; tivessem pois atenção que, assim como o fizessem assim se manteria.
A segunda era mais complexa: esses seres teriam de viver em companhia uns dos outros, com uma necessidade vital recíproca sem, no entanto, se entenderem completamente, teria de haver sempre conflito para que o dinamismo daí proveniente fosse suficiente para aplacar  o desejo desenfreado dos deuses menores por novidade – coisa inexistente por aquelas paragens.
Por último, a receita da sua confeção jamais poderia ser-lhes acessível pelo que deveria ficar num tal esconderijo onde nunca se lembrassem de procurar.  Era melhor precaverem-se contra uma  eventual desvirtuação da receita.
Depois das recomendações seguiu-se  uma luta renhida pois cada um dos deuses menores queria deixar o seu cunho na criação; nenhum abdicava de ter a sua imagem refletida nos seres que com tamanho empenho ajudavam a criar e que, pela primeira vez, os fazia sentir úteis. Surgiu então o deus da sabedoria e com a já sua conhecida capacidade de ponderação sugeriu que os indivíduos fossem de tal forma que contivessem dentro um pedaço de cada um deles e que a luta que agora ali tinha lugar se passasse a fazer dentro de cada um dos indivíduos; assim se pensou, assim se fez…
O assunto resolvido, logo outro de complexidade semelhante se pôs: como deveria ser o lugar onde eles ficariam? Quais as suas características para que todas as recomendações do Deus Maior fossem respeitadas? Aí,  a melhor sugestão surgiu mesmo do deus da confusão : o lugar seria de uma tal forma flexível que cada um deles – dotados de uma quantia nada modesta de maneiras de apreender o mundo  ( os cinco sentidos ) – veria, sentiria e ouviria coisas distintas pois a juntar-se à flexibilidade do mundo inventaram  uma característica deveras interessante que fazia com que, com os sinais provindos do mundo exterior, houvesse uma capacidade inata dos seres em conjugarem esses sinais de infinitas formas diferentes tal qual um excêntrico e talentoso pintor com a sua paleta de cores limitadas consegue criar nuances de rara beleza e, foi  assim, que se criou de uma assentada um mundo simples e complexo  além de extremamente divertido para os criadores pois como é bom de ver se torna  suscetível de gerar conflitos  entre os seres assim criados.
Discussões aparte, o processo até corria bem aos deuses que agora se entusiasmavam pela primeira vez  na sua eterna  e aborrecida vida não fosse … há sempre algo que foge ao controle, até aos deuses, não fosse este mundo – e o outro pelos vistos também – cheio de percalços. É que um dos deuses, matreiro e sabido esperou pelo último milissegundo depois  da criação estar aprovada e confecionada para lhe acrescentar uns pozinhos, nada de especial, mas como deus da liberdade que é, fez a diferença, toda a diferença. Foi preciso, ainda assim,  esperar  3,5 mil milhões de anos, mais milhão menos milhão para que se conseguisse manifestar a sua traquinice, o que para um deus menor não é nada visto que tem todo o tempo do mundo. Quando os outros deuses começaram a ver  que a criação estava a  ficar esquisita e já não tão instável e divertida quanto antes aperceberam-se logo qua ali tinha mão do idealista.  Verificaram que as coisas saiam do controle e que o produto atual das primeiras partículas que  tão divertidamente tinham visto evoluir para moléculas, células, seres pluricelulares assexuados e sexuados que se comem se rejeitam se juntam e se separam numa dança da vida cheia de movimento e cor  tomava, a pouco e pouco,  a sua vida  em mãos e que já não lhes davam tanto espaço para se manifestarem neles como bem entendiam mas, antes, equilibravam essas forças dentro deles e usavam-nas em seu favor para florescerem e eles, os deuses, sentiam que novas forças surgiam dessa conjugação de forças e que se reduziam agora a uma insignificância cruel e insuportável.
Ah, os humanos, não todos mas alguns, enfureciam os deuses pela sua capacidade de se recriarem, aprenderem e ensinarem, planearem e controlarem ir para sul quando o suposto era o norte, e até intuitivamente tinham conseguido encontrar o segredo tão bem guardado, bem no interior de si mesmos e sabiam agora com que ingredientes eram feitos podendo então alterar a receita.
Uma esperança mantinha ainda os deuses alegres, é que poucos humanos pareciam apreciar ir contra a corrente, parecia dar muito trabalho, era necessário praticar muito, refletir, parar e relaxar e eles pareciam gostar mais de divertimento – quem sai aos seus não degenera. Estavam, apesar de tudo, preocupados. É que o deus da liberdade por ter sido o último e não terem dado por ele não tinha rival direto, bastava que os humanos quisessem e o mundo era deles: poderiam aprender a lidar bem uns com os outros apesar das diferenças, a pensarem e pararem antes de agir, a estarem mais conscientes e, assim,  numa maior sintonia,  mais atentos às forças que se digladiam dentro de si retirando-lhes o seu poder; enfim, um tédio só!  


sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Ainda é possível mudar o mundo?



Quem não se lembra desse intenso desejo tão humano de querer mudar o mundo?  Habitualmente, na adolescência, toma-se consciência de que não vivemos num mundo perfeito e que os adultos que antes idolatrávamos afinal estão cheios de incongruências,  escondem com afã os seus defeitos – por vezes até de si próprios – e até vivem vidas medíocres só para fazerem parte dessa sociedade que ajudam a criar, mas que bem lá no fundo abominam. Juramos então jamais nos tornarmos assim, rebelamo-nos e no esforço de agregar outros para as nossas fileiras expomo-nos a  um ou outro adulto que julgamos mais “puro”. Começa então aí a verdadeira desilusão porque esse adulto que até é bem intencionado já não acredita; também ele na sua adolescência quis mudar o rumo dos acontecimentos, mas isso, como mais tarde iremos constatar por nós próprios é uma utopia, é impossível mudar o mundo porque as pessoas que nele vivem não querem. Então a desilusão toma conta de nós e a vida acaba por dar razão a quem tão razoavelmente nos avisou e, repetidamente, assistimos  ao que acontece aos rebeldes: são párias da sociedade, sem abrigo, descriminados socialmente; caímos em nós e chegamos à conclusão que mais vale seguir as regras.
Claro que, por vezes, no nosso percurso pelos caminhos já trilhados e seguros encontramos quem ainda não se conformou e que até é bem aceite pelos demais, seja porque não o levam a sério, seja porque passa a sua mensagem com algum humor, seja porque tem uma posição relevante na sociedade ou pela simples boa manutenção da paz comum, lá vai sendo tolerado e, por vezes, consegue  mesmo despertar o idealista que há em todos nós. Esses são os verdadeiros líderes da nossa sociedade, os que podem fazer a diferença e levar-nos a aproveitar o pouco tempo que nos resta para fazer uma verdadeira revolução de mentalidades e conseguir, ainda, a salvação da espécie humana e do nosso planeta.
Claro que há profissões  que estão numa posição favorável para mudar o mundo através das mentalidades; não são os políticos – credo – não são os advogados, nem os polícias, com o devido respeito que estas e (quase) todas as outras profissões me merecem,  nem tampouco  uma qualquer classe inspirada num romance de Joseph Ritson  que ajudou a celebrizar Robin Wood o épico herói que roubava aos ricos para dar aos pobres. Por muito atrativa que seja esta ideia ela não é viável a longo prazo pois roubados os ricos que, também ficariam pobres, outra coisa não restaria do que um bando de famintos à face da terra. Quem verdadeiramente tem o poder de mudar o mundo são essa classe tão abandonada tanto pelo poder político quanto pelos próprios encarregados de educação: os professores, naturalmente.
Não sou professora por isso estou à vontade para elogiar e prestar o meu culto a esses seres fantásticos com uma capacidade tão grande de auto- sacrifício – como têm mostrado ao longo dos anos em que têm sido abandalhados à esquerda e à direita. Penso não haver ninguém que não tenha na memória algum professor que fez a diferença na sua vida – a não ser, é claro, que não tenha andado na escola e esses não estariam aqui a ler os meus escritos. Alguns objetarão que os professores são isto e aquilo, muitos nomes menos próprios e eu até posso concordar com alguns, mas eu hoje falo dos Professores, daqueles que estão na profissão por paixão, daqueles a quem brilha o olhar ao falar das matérias em que são mestres, daqueles que tocam o coração dos alunos em toda a sua humanidade, esses com “P” maiúsculo; esses, meus amigos, são insubstituíveis. E, além do mais, nem sequer precisam de ser muitos, os outros, com letra minúscula, que se atêm a passar de um recipiente para o outro o conhecimento tal qual o absorveram para passar nos exames enquanto sonhavam com um chorudo ordenado – que queda deram! – esses, não conseguem diminuir  a luz que os outros trazem à nossa vida, a luz do conhecimento e do amor por ele.
Não espanta, pois, que neurocientistas  que também querem mudar o mundo e já sabem como o fazer ,procurem esta classe privilegiada pelo acesso que têm a mentes facilmente moldáveis, e lhes queiram ensinar os fundamentos da mente humana. Que conjugação de esforços! Penso serem estes os arautos da boa nova  que vem dos estados EUA – onde primeiramente nasce o que é mau, mas também o que é bom: os fundamentos de uma nova civilização humana baseada em tradições antiquíssimas, mas com a sustentação científica que exigem os povos culturalmente mais avançados.
Tenho pois a esperança num mundo melhor, onde aprendemos desde a mais tenra infância a dominar este potencial incrível que herdámos  pela processo da  evolução e com o qual tão pouco sabemos lidar e que será capaz de nos revelar a verdadeira natureza humana que está em muitos de nós adormecida, não que sejamos maus por natureza, mas simplesmente ignorantes na forma de moldar este órgão de complexidade incomparável.

PS. No próximo artigo explicarei com um pouco de detalhe o que estas práticas -  onde coabitam mindfulness e outras – podem fazer por todos nós, adultos incluídos.


sábado, 4 de agosto de 2012

O pesadelo americano



O  tão idolatrado sonho americano revelou-se afinal um pesadelo e cada vez mais pessoas acordam aliviadas relatando quão assustador ele é e quanto prejudicou as suas vidas. A obrigatoriedade do modelo padrão da família perfeita, com carro, casa, dois filhos – de preferência um rapaz e uma rapariga – e um animal de estimação, além de uma conta recheada, férias num qualquer paraíso balnear tem levado a uma frustração crescente na sociedade ocidental e tem-se revelado fonte de falsas expectativas. A promessa da felicidade conquistada a cada novo objeto adquirido é falsa e só o conhecimento profundo do modo de funcionamento do nosso cérebro pode, finalmente, acordar os seres humanos para o embuste de que têm sido vítimas e carrascos ao mesmo tempo. Vitimas porque se sentem na obrigação de ter o mesmo que o vizinho sem que isso lhes dê, por vezes, a mínima satisfação e carrascos porque também cada um de nós tem a tendência de olhar de lado quem se afaste e rejeite os padrões normais do que consideramos ser desejável.
Todos os estudos efetuados apontam na mesma direção: apesar dos inúmeros avanços tecnológicos,  educacionais, de saúde, liberdade, etc. a civilização ocidental não está mais feliz; bem pelo contrário, aumenta o stress, as doenças mentais proliferam, o mal estar  cresce e a causa de tanta infelicidade é desconhecida, é um inimigo não identificado, omnipresente e, além do mais injustificável. Já todos devemos ter ouvido a frase: “ não sei que se passa comigo, tenho tudo para ser feliz  e vivo insatisfeito (a)”.   Esta é a realidade nos países mais desenvolvidos que apostaram tudo em mudar  «o mundo lá fora» e que se esqueceram da parte mais importante, ou seja, o mundo interior. É que por mais objetos que se possua, se não se possuir o domínio da nossa vida interior, da nossa mente, ela pode fazer descambar todas as nossas pretensões de sermos felizes e realizados e tiraniza-nos  enredando-nos nas suas malhas de neurónios tecidas,  deixando de poder controlar seja o que for na nossa vida passando a simples espectadores do drama em que ela se pode tornar.
O conhecimento de como o nosso cérebro funciona é a ferramenta mais eficaz para sermos os mestres da nossa vida em vez de impotentes espectadores.  Hoje vou enfatizar  o papel do comummente chamado sistema de desejo, mas que o autor do livro: “ A fórmula da felicidade”, Stefan Klein denomina, a meu ver apropriadamente, o sistema de expectativa.  Neste sistema existe uma molécula essencial para a nossa vida e para a sua qualidade, mas que se pode revelar a fonte dos nossos maiores problemas se sair do nosso controle. O que alimenta este sistema – dopaminérgico -  e o mantém a funcionar é a novidade, o desejo por coisas novas e apetecíveis , mas também vícios vários como o abuso de nicotina, álcool, jogo, sexo, e por aí vai. A dopamina funciona a três níveis diferentes, ela é a responsável por nos despertar para o desejo que tanto pode ser uma boa refeição como o vestido da moda ou também aquela festa tão badalada, não importa o objetivo, ele tanto pode ser útil para a nossa sobrevivência e bem- estar como completamente fútil e até prejudicial o que acontece é que logo que esteja em marcha a libertação desta poderosa substância é muito difícil barrar-lhe o caminho pois ela é também responsável pela aprendizagem – daí aprendermos melhor quando há algum desejo e prazer com o que se aprende – e ainda pelo movimento do corpo em direção ao objeto pretendido.
O enorme poder  que esta tão mágica quanto trágica molécula possui podemos observá-lo a partir das pesquisas do neurocientista canadiano James Olds  que se tornaram famosas  em 1954 a partir do seu estudo em ratinhos. A experiência consistia em introduzir um finíssimo eléctrodo no hipotálamo dos mesmos dando-lhes depois a oportunidade de controlar  através de um conector  este local nas profundezas  do cérebro  responsável pela libertação de dopamina. O que aconteceu surpreendeu sobremaneira os investigadores: os malogrados ratinhos deixaram simplesmente de fazer tudo aquilo para que estão programados e  que é responsável pela sua sobrevivência como seja, comer, beber, dormir e até sexo para pura e simplesmente acionarem uma e outra vez a libertação da molécula do prazer através do conector. Tudo o resto deixou de fazer sentido tendo o neurocientista que lhes salvar a vida desinstalando o comando.
O que nos pode ensinar o conhecimento deste sistema e como está ele relacionado com as falsas expectativas que a obtenção desenfreada de objetos levanta?  Uma das respostas podemos encontra-la na experiência dos ratinhos de James Olds, no fundo, os objetivos servem mais como meio do que como um fim em si mesmo que é como a maioria de nós os encara; daí a frustração que surge repetidamente quando se atinge um objetivo e nos deparamos com o vazio então existente, perguntamo-nos então se é só isto, agora que temos o carro ou a casa ou o vestido ou… a frustração é ainda maior porque a maior parte das vezes todos estes objetos são comprados sem termos os recursos necessários, sobrando-nos uma dívida e a  progressiva habituação ao objeto outrora novidade e que agora se revela em toda a sua  insignificância. É, porque a psicoadaptação é um fenómeno que produz insatisfação ou pelo menos uma sensação neutra a partir do momento em que nos habituamos a um dado objeto ou situação, tendo que procurar logo outro que seja novidade e que nos mantenha interessados, motivados, ativos. Que podemos fazer então?  Abdicar de toda a alegria que esta molécula nos proporciona e resignarmo-nos a uma vida cinzenta e desinteressante?
Claro que esta não pode ser a solução, o ideal será termos objetivos que são encarados tal qual são, um meio de nos mantermos interessados e motivados, plenos de energia, mas que ao mesmo tempo nos permitam encará-los sem ilusões: não é por comprarmos um palacete, um carro topo de gama ou roupa de marca caríssima que seremos mais felizes, os objetivos menores servem exatamente os mesmo propósitos e há também os que são mais úteis a longo prazo e que não nos aprisionam tanto em vidas de que não gostamos mas que temos  de suportar pois já nos deixámos enredar demasiado nas pegajosas e sedutoras teias do consumismo desenfreado.



segunda-feira, 9 de julho de 2012

Será a qualidade tecnológica uma grandeza inversamente proporcional à decadência da sociedade?




O Japão atual cada vez se afasta mais dos ideais e valores dos seus antepassados, dos Samurais com a sua honra, aos bravos heróis que levantaram o país após a segunda guerra mundial; os japoneses parecem querer desistir, entregam as armas, parecem exaustos e esta guerra não é contra um invasor mas contra as sua próprias mulheres.
Os japoneses atuais preferem um canto solitário, numa qualquer loja especializada em sexo virtual e que hoje em dia abundam na capital – Tóquio -  onde dão azo à imaginação e libertam as suas fantasias sexuais , em companhia de alguns objetos que de tão asséticos mais parecem fazer parte de algum kit de cirurgia, mas que não impede, apesar disso, que grupos cada vez maiores de homens jovens, e menos jovens, se entreguem a estes prazeres livres de compromissos, de entrega e calor humano que tem caracterizado as relações entre homem e mulher.
Quando questionados pela sua preferência confessam-se cansados; exaustos, talvez seja o termo mais correto e preferem, por isso, pagar a quem  se dedique a dar-lhes prazer  e os ajude a relaxar nem que para isso tenham de gastar uma quantia considerável  de yenes . Cada vez aumenta mais o número de casais que não pratica sexo,  os chamados sexless,  e a par disso aumentam as lojas da especialidade e a prostituição.  Muitos casais preferem mesmo a inseminação artificial ao sexo para  produzirem a sua prole e não parecem muito preocupados com isso; são os novos tempos, dizem.
 E os novos tempos parecem ser tempos em que as mulheres ganharam o seu  lugar no mundo do poder e do dinheiro em que muitas vezes ganham mais do que os homens e isso parece afetar o macho japonês  cada vez mais afastado da realidade com a ajuda dos  seus  artefactos tecnológicos, namoradas virtuais e uma solidão que à primeira vista lhes parece agradar, mas que revela um vazio existencial que se repercute, no meu entender, na elevada taxa de suicídios do país.
Claro que tendo o suicídio causas múltiplas e complexas é redutor encarar a falta de relacionamento humano como a sua única causa, mas parece plausível que seja um fator determinante.
Muitos jovens do sexo masculino têm como ideal de vida, uma namorada virtual ou uma qualquer boneca de borracha de cabelos verdadeiros e seios de silicone que podem manipular a seu bel-prazer que não exigem prazer  logo, não dão trabalho; passam horas a cuidar da imagem que cada vez é mais efeminada, com cabelos cuidadosamente esculpidos pelas tendências da moda, pele impecável e lábios brilhantes, não comem carne e são por isso também apelidados de herbívoros e pasme-se, dizem-se felizes assim.
Elas, cada vez mais parecidas  com as bonecas que inspiraram e que agora lhes servem de modelo e, tal com eles sempre, impreterivelmente ,online, cada vez mais, uns e outros, afastados e  alheados de uma realidade da qual fogem  por lhes parecer feia e desinteressante. Não há divertimento sem um capacete de realidades virtuais, não há sorrisos despreocupados que caracterizam habitualmente a juventude,  estão robotizados.
Serão os japoneses demasiado esquisitos ou estarão somente uns passos à frente no desenvolvimento tecnológico?  
 Do you have one?


sábado, 7 de julho de 2012

Como atingir os nossos sonhos- parte 2



Como o prometido é devido e eu não costumo faltar ao que prometo aqui vai o seguimento do texto anterior. Tínhamos visto que para termos mais probabilidades de concretizar os nossos sonhos deveríamos chamar-lhes objetivos. Sonhos são mais vagos, são coisas do género: “quero ser feliz”, “ gostava tanto de ser mais inteligente…”, “ um dia hei – de ter a casa dos meus sonhos”; já os objetivos são mais concretos e por esse motivo há mais hipóteses de serem alcançados.
Vimos o exemplo dos recrutas norte americanos e a forma como são treinados para conseguirem ultrapassar uma das fases mais complicadas da preparação para os exames e esse treino consiste em 4 passos fundamentais - objetivos, visualização, controle dos pensamentos negativos e da respiração. Vamos explorá-los então um pouco mais.
Os objetivos para terem maior probabilidade de serem alcançados devem reunir certas caraterísticas. É normal utilizar a sigla SMART para os definir. Objetivos S.M.A.R.T. significam:
  • Specific (específicos)
  • Measurable (mensuráveis)
  • Attainable (atingíveis)
  • Realistic (realistas)
  • Time (temporizáveis).

Passo a explicar...

ESPECÍFICO:
Devem ser formulados de forma específica e precisa;
 Não seja vago, defina em pormenor. Os objetivos generalistas tendem a ser menos eficazes.
MENSURÁVEL:
Definidos de forma a poderem ser medidos e analisados em termos de valores ou volumes; Reflete os vários aspetos mensuráveis.
 Quantifique o seu objetivo (Como irá saber se o atingiu ou não ?)
ATINGÍVEL:
A possibilidade de concretização dos objetivos deve estar presente; estes devem ser alcançáveis.

REALISTA:
Os objetivos não pretendem alcançar metas muito além do que os meios permitem, mas  estão de acordo com a disponibilidade de recursos.

TEMPORIZÁVEL:
Os objetivos devem ser bem definidos em termos de duração/prazos.
 Indique um intervalo de tempo para cada objetivo, quando o vai atingir...
Vamos ver a diferença entre um sonho e um objetivo?
Sonho : “ um dia hei -de ter a casa dos meus sonhos”.
Objetivo: “ Quero ter uma casa junto ao mar daqui a 30 anos e para isso acontecer vou poupar todos os meses 200 euros”. Qual lhe parece ter mais possibilidades de ser alcançado?
Mas 30 anos é muito tempo e pode desanimar até lá, então, podemos ouvir o testemunho de um dos marines, o que ele fez para superar um frio e fome intensos durante vários dias: “ À noite eu dizia vou aguentar até ao pequeno almoço, ao almoço eu dizia que aguentaria até ao lanche, ao lanche que aguentaria até ao jantar e por aí adiante; o ideal é ir dividindo um objetivo – principalmente se for de longo prazo – em pequenos passos;  é fundamental para manter o foco.
Visualizar é também um exercício poderoso, dá motivação para continuar e aumenta a confiança na concretização dos seus objetivos. No nosso exemplo dos recrutas, eles visualizavam constantemente a maneira como iriam conseguir ultrapassar o temido teste da piscina: Como desatariam os nós que os instrutores lhes faziam no equipamento de mergulho.
Repetidamente diziam com convicção para si próprios que iriam conseguir: “ eu sou capaz”, “ já consegui antes passar testes tanto ou mais difíceis do que estes”…
O quarto ponto refere-se à importância da respiração e, embora no teste da piscina assim como nos casos que envolvam ansiedade se revele fundamental, no nosso exemplo da casa é descabido. E daí talvez não, é que atualmente é cada vez mais de cortar a respiração conseguir pagar a casa: “ Respire fundo e pausadamente…”

   

domingo, 1 de julho de 2012

Como atingir os nossos sonhos?




Todos nós temos sonhos. Podem estar escondidos, esquecidos, recalcados no mais profundo do nosso inconsciente, mas estão lá. A verdade é que à medida que vamos amadurecendo a vida “vai-nos ensinando” – dizemos -  que os sonhos quase nunca se realizam. Pelo menos para nós, pois lá vamos vendo alguns que até conseguem.  Os sonhos são essenciais para uma vida digna de ser vivida porque dão energia, entusiasmo, motivação e aquela alegria que rodopia e contagia todos os que se aproximam. Porque é que, então, tantos desistem deles e – pior ainda – fazem os outros desistir ao ridicularizar e inviabilizar os sonhos alheios? Porque é que não os acarinhamos, protegemos e cuidamos como se cuida o bem mais precioso? Pois bem, penso que o mal dos sonhos começa logo no nome, qual alcunha perniciosa que marca à nascença a ferro e fogo o seu proprietário.
Os sonhos, como o próprio nome indica são voláteis, quando acordamos de manhã já não nos lembramos deles, apenas resta uma frágil memória nos minutos que se seguem ao despertar e depois, bem , depois evaporam-se na espuma dos tempos ficando uma ténue e opaca sensação do que outrora fez parte de nós com tanta intensidade. Ora, os sonhos que sonhamos acordados são, muitas vezes, da mesma matéria volátil e fugidia dos sonhos que sonhamos a dormir, mas podem ser diferentes, podem-se materializar, mas têm de mudar de nome; os sonhos que se tornam matéria têm de ser chamados de objetivos , ah! Já não tem a mesma graça, pois não? É que enquanto são sonhos podemos simplesmente falar deles, fazer conjeturas, esquecê-los uns tempos e voltar- mos  a apossar- nos deles, muitas vezes com o sabor amargo da desistência, é certo, mas são muito mais seguros assim ; agora quando são objetivos, bom aí é  preciso ação, comprometimento, e assumir a responsabilidade por eles . É por esta razão que muitos desistem daquilo que mais querem na vida, medo de falhar e indecisão no agir, medo de assumir responsabilidades . Nunca ninguém falhou um sonho, pois não? Quando muito, o sonho não se realizou, descartamos a responsabilidade; já os objetivos podem- se falhar…
Mas a desistência é sempre má conselheira, é a diferença entre viver uma vida significativa ou uma outra em que deambulamos qual folha transportada pelo caprichoso vento das contingências diárias. Com objetivos, vamos para onde queremos, a força duplica, triplica uma, duas, dez vezes; eleva-se ao quadrado, ao cubo, enfim; nada impede uma mente determinada. E agora percebe-se porquê!
Um pouco de neurociência agora para desenjoar: as últimas pesquisas demonstram que o facto de se ter objetivos e estar focado neles além de aumentar exponencialmente a força interior, reduz o medo e a ansiedade. A investigação  surgiu da necessidade de aumentar o número de candidatos aprovados num dos testes mais temidos das forças especiais norte americanas: o teste da piscina, um teste em que os recrutas são sujeitos repetidamente à tentativa dos seus instrutores lhes retirarem o equipamento de mergulho tendo, assim, de controlar o medo de se afogarem. É um teste difícil porque o medo de se afogar é um dos mais difíceis de controlar, por vezes, bons candidatos noutras áreas não conseguem passar esta etapa. Aqui a responsável é a amígdala, uma estrutura do tamanho de uma amêndoa que se situa no lobo temporal do hemisfério cerebral e que é responsável pela  deteção e subsequente reação em cascata  de uma reação de medo. Mas, como descobriram os neurocientistas que pretendiam melhores resultados dos recrutas, é possível minimizar essa reação com o uso de uma outra estrutura, o lobo frontal que é responsável pela tomada de decisões, pensamento racional e movimentos voluntários. Ou seja, o controle do medo pode ser voluntário, mas para isso é preciso 4 passos fundamentais: ter o foco no objetivo que tem de ser claro , visualizar o objetivo a ser concretizado com sucesso, respiração profunda e pausada e controle de pensamentos negativos do género eu não consigo, é muito difícil, etc.
São, então, estes os passos fundamentais para conseguir  que um objetivo tão difícil de ser atingido como controlar  o pânico inato de se afogar, seja concretizado. Não se pede aos recrutas que pensem nos seus sonhos de carreira, status social ou ordenado, isso nada faria por eles; pede-se-lhes que foquem os seus pensamentos nos objetivos a curto prazo  com recurso a visualização e confiança na sua concretização.
Eles, no entanto, não desistiram dos seus sonhos, mas conseguem mais facilmente concretizá-los se lhes chamarem objetivos e derem alguns passos fundamentais para os atingir.
No próximo texto explicarei um pouco melhor como praticar cada um destes passos fundamentais na prossecução dos nossos sonhos- ou objetivos, talvez seja melhor chamá-los assim…

  

domingo, 24 de junho de 2012

De onde vem a moral?



A longa discussão sobre que aspetos do comportamento são inatos ou adquiridos atinge, como é óbvio, um tema de extrema importância para a nossa convivência em sociedade: a moral. Será a moral inata ou adquirida?
Hoje é ponto assente para muitos que a educação tem um papel fundamental no modo como nos comportamos , por isso, quando surgem casos de pessoas que foram educadas juntas e que apresentam grandes diferenças no modo como se comportam isso causa espanto e embaraço em quem tem a noção de ter dado a melhor educação possível e mesmo assim ter ajudado a criar uma pessoa sem escrúpulos. O contrário também é verdadeiro, encontrando-se no seio de famílias desestruturadas e onde os valores morais não contam muito, pessoas que se destacam por um elevado padrão de moralidade. É fácil de perceber que a educação não é tudo; é apenas uma parte – uma parte importante como é óbvio, mas apenas uma parte.
Há outra discussão em curso que é saber se os seres humanos à medida que vão perdendo as suas raízes de origem religiosa se tornam ou não pessoas com menos ética, sendo que do lado dos crentes, ter fé, ter uma crença num ser que de algum modo ditaria as leis de conduta dos seres humanos, é fator fundamental para prevenir a irrupção da violência, da promiscuidade, da maldade em geral, fruto da herança que os nossos pais, Adão e Eva, nos legaram, por, supostamente, terem comido uma maçã. Claro que os não crentes, logo a postos para retaliar, afirmam que basta recorrer à História para inferir da enorme violência que sempre esteve – e continua - ligada à religião.
Penso ser mais fácil raciocinar sobre a validade de uns e outros argumentos se nos perguntarmos e tentarmos responder à seguinte questão: têm os animais moral?  Penso ser fundamental responder a esta pergunta porque, comprovadamente, Deus não têm.
Para dar peso aos argumentos dos crentes teríamos de constatar que os animais não têm moral; ora isso é completamente falso como se pode constatar estudando o seu comportamento. A teoria dos jogos, que se baseia nas interações animais, tem provado consistentemente que os animais desenvolvem sistemas evolutivamente estáveis de comportamento que lhes permite prosperar e proliferar sem que andem constantemente a matar-se uns aos outros, mesmo em ambientes selvagens. Como explicar que frequentemente lutas renhidas por fêmeas acabe com o vencido a retirar sem ter sido morto? Isso é uma entre várias estratégias que permite que baste a um animal seguir vários padrões ritualizados para ser deixado em paz para seguir com a sua vida. Existem várias estratégias que os animais seguem, alguns autores chamam-lhes EEE – estratégias evolutivamente estáveis – que permitem não gastar mais do que a energia necessária para atingir um determinado fim como o acasalamento, por exemplo. A moral, sendo um conjunto de normas seguidas por uma dada sociedade que visa a harmónica convivência entre os seus membros pode, e é, frequentemente encontrada em toda a espécie de animais não sendo, por isso apanágio exclusivo dos seres humanos. Não faz pois muito sentido discutir se Deus é ou não necessário para se ter moral; parece não haver dúvidas quanto a isso.
Parece que embora influenciando bastante, a educação por si só também não é  determinante  pois só assim se explica que irmãos possam ter uma tão grande diferença em termos de comportamento em sociedade; jogam aqui um papel fundamental os fatores genéticos.
Neste ponto vou-me socorrer da ideia dos marcadores somáticos  proposta por António Damásio no seu livro “O erro de Descartes”. Para Damásio,  para podermos raciocinar eficazmente e decidir sobre as nossas vidas,  levar a cabo ações benéficas para nós e para os  que nos rodeiam, o modo como nos comportamos em sociedade, de um modo geral, depende de termos intacto todo o substrato neural – a que ele chama a maquinaria da razão – que liga o cérebro evolutivamente mais antigo ao cérebro mais recente.  O cérebro tem três conhecidas estruturas hierarquicamente sobrepostas, das mais antigas para as mais recentes respetivamente – arquicórtex, paleocórtex e neocórtex – que funcionam em estreita inter-relação sendo necessário que funcionem cabalmente para que o processo de bem direcionar a nossa vida se verifique.
Que assim é o demonstram  estudos com doentes que, ou por acidente ou inatamente, se vêm destituídos de uma parte importante desta maquinaria como o tão famoso caso do século xıx de Phineas Gage que subsequentemente a um acidente que lhe roubou parte da massa encefálica do Lobo Frontal lhe roubou também a vida normal por ter ficado com uma fraca apetência para as decisões mais banais que todos os dias somos solicitados a tomar. Posteriormente, outros doentes estudados por Damásio demonstraram que lesões no Lobo Frontal – uma área delimitada e comprovadamente sede da tomada de decisões -  impedem que os doentes tenham acesso aos sentimentos que – embora não demos por isso, nos auxiliam em todos os momentos a tomar decisões. Ora, sem acesso às nossas emoções e sentimentos somos meros computadores capazes, ainda assim, de raciocínios lógicos, mas incapazes de sentir o impacto que tem para nós determinada ação; as consequências dos nossos atos deixam de nos importar porque não o sentimos na carne. Uma má ação é sentida pelo sujeito que a praticou, não é só avaliada como tal pelo intelecto; quem já foi apanhado numa mentira e enrubesceu, sentiu o coração acelerado e a garganta apertada sabe que estes sentimentos são essenciais para se compreender que se agiu mal – os psicopatas também têm défices a este nível por isso são incapazes de sentir remorsos.
A moral é pois um subproduto da maquinaria biológica com que nascemos e com a qual somos capazes de tomar decisões que sejam benéficas para vivermos em sociedade; a cultura vem ajudar, mas por si só é insuficiente para explicar que animais – sem um sistema moral imposto -  também demonstrem importar-se uns com os outros, que irmãos criados juntos tenham padrões diferentes de comportamento moral e que pessoas no decurso de uma doença ou acidente deixem de se comportar como antes.

 Ratinhos de bom coração (deixam de comer chocolate para   libertar companheiros das grades.  http://migre.me/9Eebk