domingo, 22 de junho de 2014

Rio em lágrimas

E se eu cantasse querendo chorar?
Se eu me esquecesse em vez de lembrar?
Chorando cantava e lembrando esquecia
A  mágoa que teima em ficar…

Olhava no espelho de água, o rosto,
Beleza amarga que canta para esquecer
o choro que teima em molhar
a face deserta de tanto chorar.

Rio de lágrimas,
espelho de alma refletida,
dor calma e serena,
serenando e cantando
a  dor que teima em  percorrê-lo.

Corre rio, leva o passado,
leva a mágoa que serenando
deixa o rosto amargo que canta
adoçando, docemente, cantando
a mágoa do desencanto que corre
na corrente perpétua serenando…

Maria João Varela



sexta-feira, 20 de junho de 2014

Deixa a tua estrela brilhar

Como entender as mulheres? É impossível. Entender algo é criar um rótulo para lhe colocar, nomear é já aprisionar, é criar um espaço confinado e colocar lá o objeto… a mulher está longe de caber em espaços físicos; a sua alma tem sede de infinito por isso é incompreensível. A natureza, não contente em lhe entregar todas as emoções que entregou ao homem, incumbiu-a, ainda, de as misturar todas pelo que a mulher não tem emoções puras, tal como a tela de um pintor não se pincela de cores puras, mas de matizados de todas as combinações possíveis: esperança não é esperança pura, trás consigo uns pozinhos de apreensão, alegria tem diferentes graus e se a mulher puder vivê-la intensamente vive, mas se isso ferir alguma amiga ela retrai-se porque a amizade vem primeiro; o amor, ah, o amor! É vivido com medo também… é isso que faz a mulher complicada ou, dizem alguns, impossível de entender.
Todas as mulheres são estrelas, muitas com medo do próprio brilho; com medo de ofuscar, encandear e deixarem de ser amadas; se dissessem : “ Estou aqui, esta sou eu!” e a partir deste núcleo primordial desabrochassem, tal como a flor que a partir do recetáculo floral, prenhe de vida, desenvolve as pétalas, ou a lagarta se transforma em borboleta, sem nunca descurar  a essência que a criou… Quem diz que as mulheres são todas iguais é porque não merece nenhuma… são todas diferentes, todas belas na sua essência; assim se deixassem florescer…
Há homens que não conseguem amar as mulheres; amam-se a si próprios e com isso tentam destruir o brilho da sua estrela; se ao menos soubessem o quanto perdem, o quanto todos perdem… Pois no dia em que não houver no mundo uma única mulher que não se atreva a brilhar, o mundo será um lugar bem mais iluminado e os homens percorrerão melhor o seu caminho. No dia em que deixarem de tentar entender as mulheres, de lhes colocar rótulos ou compararem-nas umas com as outras; no dia em que as deixarem exalar o seu poder feminino repleto de vida, nesse dia, tal como a semente fertiliza a terra, também ela preencherá as lacunas que urge preencher.

Maria João Varela



  

domingo, 15 de junho de 2014

Correntes de amor

Meus eram os passos,
Meus os sentidos… minha a vontade?
De leves passos,
Alegre fantoche em ocultas mãos confiado;
Que forças me movem para o cadafalso?

Pudera eu fugir, fugia…
Fugir, sinto não querer, poderei fazê-lo?
Desejo ardente, impiedoso destino
Em lágrimas traçado.
Pudera fugir, fugia…
Ignóbil sina, amor inelutável.

Sei ser eu que ando, que corro,
me entrego em abraços e beijos,
Choro, no final, o desalento
de ser barro em mãos de oleiro…
Quisera fugir, fugia…
mas querer não quero
ou querendo não posso?

Serei afinal eu,
Que, inconsciente, me entrego?
Ou apenas serei consciente
Das causas e consequências?
E, hélas! Mais não serei que uma escrava
Que observa a corrente  que a prende
Sem poder fugir à  fatalidade?

Maria João Varela



quinta-feira, 12 de junho de 2014

Não morrerás...

Hoje pensei em ti avô. Precisava de alguém que me inspirasse, sabes… quem melhor do que tu para isso? Quem melhor do que tu que viveste de sorriso nos lábios até ao fim, mesmo ao enfrentar a morte? “Eu nunca vou morrer” – dizias só para a irritar. Hoje precisava do teu eterno sorriso maroto para me dizer que sorrir é a única forma corajosa de enfrentar a dor, a perda até de nós próprios quando nos vemos escorregar para o abismo . A tua carochinha – como me chamavas – hoje inspirou-se na tua bondade para enfrentar o dia; quem melhor do que tu, único baluarte da minha infância atribulada, única figura masculina passível de ser amada, para me guiares no rumo certo?  A morte é só um pormenor sem importância. Todos sabemos que não se morre para quem nos ama; só morremos para os outros, para aqueles que mesmo em vida nos reduzem ao pó da inexistência. Tu não morreste. Nem morrerás enquanto eu for viva. Seria isso que querias dizer quando afirmavas: “ eu nunca vou morrer”; seria isso que o teu sorriso me queria ensinar?  Eras assim, foste um eterno garoto mesmo na velhice: os teus olhinhos curiosos e cheios de traquinices, a tua figura miúda e ágil, o teu sinal enorme numa face morena que te diferenciava de tudo e de todos… vives em mim. A tua imagem e exemplo serão sempre o meu farol, conversarei contigo nos momentos em que os vivos forem inexperientes para me aconselhar. Que podemos ansiar mais do que viver em espírito e guiarmos os passos dos nossos pela escuridão? Adivinho-te o  conselho e sigo-o, sei o que dirias, o que esperarias da tua neta favorita – que me perdoem os outros, mas eras tu que o dizias – sentir-te-ei  o cheiro das roupas gastas e sujas das tuas jornadas de trabalho na oficina e gostarei, ouvirei as tuas risadas e rirei contigo. Porque é assim o amor, não morre com a morte, morre se tiver de morrer ainda em vida, morre se não o cuidarmos e ouvirmos e alimentarmos com o carinho com que alimento o meu amor por ti…

Maria João Varela

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Mundos de imaginação



Hoje, a escrita aconteceu no blog da minha querida amiga Cláudia o que muito me orgulhou. Partilhei um texto que pretende inspirar cada um a procurar dentro de si aquilo que de melhor tem para oferecer ao mundo.Ás vezes, só precisamos de alguém que confie nos nossos talentos para que eles se mostrem. Ás vezes, uma grande amizade nasce da partilha de uma visão do mundo semelhante, nem que o tempo de convivência física seja pouco. A Cláudia e eu somos um desses exemplos. Além de outros, a Cláudia tem o talento de confecionar pratos, vegetarianos, que ela própria cria - e que maravilha são! - não deixem de visitar o seu blog http://www.claudshome.blogspot.pt/ e conferir as maravilhas que por lá se partilham...

 O meu texto pode ser lido aqui:  Mundos de imaginação
 Obrigada e boas partilhas

Maria João Varela

quarta-feira, 4 de junho de 2014

Céu rosa com trovões

Cansada de bater na pesada porta, velha e gasta, virei as costas. As mãos sangravam e também a alma. Que podia fazer se os habitantes de tal morada não me queriam abrir a porta ? Ah, como o amor escraviza! Como destrói também quando não é correspondido… afastei-me convencida a não mais forçar a entrada. Não voltaria; nem com flores, nem com oferendas, nem com doçura ou de alma sincera e verdadeira à mostra para que dela zombassem. Da minha boca não sairiam mais desculpas sem culpa, nem sequer imploraria mais amor ou gratidão. A decisão era irrevogável, tinha feito tudo quanto é humanamente possível, mas a liberdade de escolha deixaria a quem, por detrás das cortinas que enfeitavam as janelas, assim me olhava e me deixava partir. Era grande a mágoa. As lágrimas eram de sangue e as noites de solidão. Ia cabisbaixa  e infeliz; do estômago, agora em pedra, saía a decisão de não mais se deixar esmagar, de não mais se entregar assim tão inteiramente a quem, sem pejo e de ânimo leve, destrói um edifício a duras penas construído. O edifício estava a arder. O céu carregado de rosa forte e de trovões parecia contribuir para as chamas e nem uma gota de água deixava tombar para minimizar os estragos. Como se remenda uma alma estilhaçada? Com que linhas se cose os pedaços dela que esvoaçam ao vento, rodopiam,  desaparecendo na multidão? O estômago continuava a gritar, mas a decisão era irrevogável. Basta! Basta de tanto procurar conforto em mão ácidas, rugosas e frias, basta de procurar carinho em almas ocupadas com outros afazeres do mundo, decerto mais importantes do que  confortar uma mãe que ama. Quem deu aos filhos tal direito? Quem lhes deu o direito de serem amados, assim tão dolorosamente e de à mais pequena brisa, levantada por que tempestades, nem eu sei, apontarem um dedo acusatório e desprezarem tanto amor? A minha porta jamais se fechará! Jamais espreitarei por detrás das cortinas e deixarei que se afaste de mim quem mais me amou, mas não mais levantarei a minha mão para a esmurrar contra a porta de ninguém. Que sabem do mundo? Que sabem ou querem saber de mim? Dos meus motivos, das minhas sensações, do meu mundo interno e das minhas intenções? Quem vos deu o direito de serem assim amados? Quem vos deu o direito de me acusarem de crimes que não cometi? Por que não vos chega todo o amor que vos dediquei e dedico? Não, jamais fecharei a porta. Jamais vos deixarei bater e virarei as costas com coisas mais importantes para fazer, mas vou deixar de vos dar o direito de me fazerem sangrar as mãos; já a alma não sei se serei capaz…
Maria João Varela
Foto: Melro