quarta-feira, 4 de junho de 2014

Céu rosa com trovões

Cansada de bater na pesada porta, velha e gasta, virei as costas. As mãos sangravam e também a alma. Que podia fazer se os habitantes de tal morada não me queriam abrir a porta ? Ah, como o amor escraviza! Como destrói também quando não é correspondido… afastei-me convencida a não mais forçar a entrada. Não voltaria; nem com flores, nem com oferendas, nem com doçura ou de alma sincera e verdadeira à mostra para que dela zombassem. Da minha boca não sairiam mais desculpas sem culpa, nem sequer imploraria mais amor ou gratidão. A decisão era irrevogável, tinha feito tudo quanto é humanamente possível, mas a liberdade de escolha deixaria a quem, por detrás das cortinas que enfeitavam as janelas, assim me olhava e me deixava partir. Era grande a mágoa. As lágrimas eram de sangue e as noites de solidão. Ia cabisbaixa  e infeliz; do estômago, agora em pedra, saía a decisão de não mais se deixar esmagar, de não mais se entregar assim tão inteiramente a quem, sem pejo e de ânimo leve, destrói um edifício a duras penas construído. O edifício estava a arder. O céu carregado de rosa forte e de trovões parecia contribuir para as chamas e nem uma gota de água deixava tombar para minimizar os estragos. Como se remenda uma alma estilhaçada? Com que linhas se cose os pedaços dela que esvoaçam ao vento, rodopiam,  desaparecendo na multidão? O estômago continuava a gritar, mas a decisão era irrevogável. Basta! Basta de tanto procurar conforto em mão ácidas, rugosas e frias, basta de procurar carinho em almas ocupadas com outros afazeres do mundo, decerto mais importantes do que  confortar uma mãe que ama. Quem deu aos filhos tal direito? Quem lhes deu o direito de serem amados, assim tão dolorosamente e de à mais pequena brisa, levantada por que tempestades, nem eu sei, apontarem um dedo acusatório e desprezarem tanto amor? A minha porta jamais se fechará! Jamais espreitarei por detrás das cortinas e deixarei que se afaste de mim quem mais me amou, mas não mais levantarei a minha mão para a esmurrar contra a porta de ninguém. Que sabem do mundo? Que sabem ou querem saber de mim? Dos meus motivos, das minhas sensações, do meu mundo interno e das minhas intenções? Quem vos deu o direito de serem assim amados? Quem vos deu o direito de me acusarem de crimes que não cometi? Por que não vos chega todo o amor que vos dediquei e dedico? Não, jamais fecharei a porta. Jamais vos deixarei bater e virarei as costas com coisas mais importantes para fazer, mas vou deixar de vos dar o direito de me fazerem sangrar as mãos; já a alma não sei se serei capaz…
Maria João Varela
Foto: Melro

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