Massajo-te os pés cansados de não andarem. Não
andam há tanto tempo sem que estejas agarrada a mim! Já andaram tanto… Gostavas da
Praça do Chile, bem mais longe de casa, mas gostos não se discutem. Compravas lindos
ramos de rosas que oferecias às vizinhas que agradeciam atirando-nos para o
quintal restos de bolachas já rançosas que ninguém comia... essas não nos
deixavas comer: “pensam que somos miseráveis” e atirava-las ao lixo, destino
que já lhes estava reservado há muito. E lá continuavas a comprar-lhes flores, não sei por que motivo; isso era lá contigo. Dava-te prazer e isso não se discute. Saías de manhãzinha, quando estavas bem disposta, calcorreando meia Lisboa para lhes levares flores. Hoje, os teus pés já não andam, já não se cansam das caminhadas, mas de
estarem parados, por isso os massajo e enquanto massajo penso. Às vezes as vizinhas
até tinham medo que lhes pedisses alguma coisa, tão pobres que éramos… acho até
- hoje que sou mais desconfiada das boas intenções das pessoas - que, por vezes, nem te abriam a porta para
receber as flores. Mas tu nada querias, só oferecer as flores, escolhidas com todo o amor : “esse
raminho bem jeitozinho que é para oferecer” e já antecipavas o prazer de as dar, nem que isso nos retirasse à boca alguma iguaria. Mas, prazer não se discute. Esse
era o teu maior prazer, e quando o dinheiro não chegava “ vá lá, pago-lhe para a
semana, preciso mesmo de oferecer estas rosas” a vendedeira, que já te
conhecia a honestidade, deixava com prazer que lhe ficasses a dever as rosas que
nunca compraste para ti, mas para as vizinhas que nos atiravam algumas bolachas
envelhecidas que lhes estavam a estorvar na prateleira. Enquanto te massajo os
pés, relaxas, apreciando o momento; sem mais nada pedires, e eu que ainda não
entendo como podes viver há tanto tempo nessa condição tenho um vislumbre de que
poderá ser simplesmente porque cada pequeno momento bom, por mais pequeno que
seja, é vivido com a máxima intensidade.
Maria João Varela
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