quinta-feira, 1 de maio de 2014

Não gosto de trabalhar

Não gosto de trabalhar. Curiosamente também não gosto de estar sem fazer nada e ainda menos dos divertimentos ou distrações comuns. Divertimento é sinónimo de esquecimento, alienação, irreflexão e é um dos males principais das sociedades modernas. Este sistema bem montado do capitalismo tem no divertimento um dos seus aliados mais preciosos pela capacidade que este proporciona para que os indivíduos esqueçam a sua condição e que saltem de um trabalho mal pago, isento de qualquer autonomia, onde estão alienados do próprio produto do seu trabalho, diretamente para o caldeirão do divertimento. Vemos então seres humanos que durante 5 ou mais dias vivem alienados por um regime de trabalho usurpador da sua dignidade, um regime de trabalho explorador e estuprador e durante o fim de semana vive alienado por um conjunto de atividades alienatórias de cariz  lúdico e, bastas vezes, grosseiro que intenta contra as capacidades cognitivas e criativas do ser humano.
Este é um sistema bem montado. Tem a sua componente cognitiva que se manifesta através das crenças que partilhamos, das expectativas que alimentamos e daquilo que valorizamos. Assim, temos quem nos diga o que devemos valorizar ou desprezar; aquilo pelo qual vale a pena lutar ou não e os valores orientadores da nossa ação. Tem uma componente emocional que nos ensina o que amar e o que odiar, e uma componente comportamental com o seu conjunto de normas e regras pelas quais orientamos o nosso comportamento. Valorizar o trabalho, mesmo que o mesmo seja mal pago e claramente abusivo da nossa integridade e dignidade é das mensagens mais disseminadas, daí que quando eu digo não gostar de trabalhar olhos incrédulos se viram para mim, bocas estupefactas se abrem fazendo-me crer alguma heresia ter a minha boca proferido. Mas se pensarmos bem,  gostar daquilo que nos escraviza é que deveria ser uma heresia…
 Somos inseridos neste modelo desde que nascemos, por isso, tantas vezes acreditamos nas mentiras que são perpetuadas de geração em geração. Eu tive a sorte e o azar de não ter sido tão aculturada como a maioria. Saí muito cedo da escola e todo o meu percurso escolar foi feito já na idade adulta, daí que muito do meu pensamento, esculpido por grandes obras literárias que fui sempre lendo, já estava formado e, consequentemente, não poderia já ser uniformizado ou estandardizado. Por isso sinto-me na liberdade de dizer que não gosto de trabalhar; gosto de criar. Acredito que as mulheres e os homens são criadores potenciais e o trabalho como está organizado, dentro deste modelo capitalista e explorador, corta as asas a esse potencial. As crenças que nos inculcam vão muitas vezes no sentido contrário, fazendo-nos duvidar das nossas capacidades, fazendo-nos conformar com uma vida em que somos alienados do produto do nosso trabalho, onde nenhuma decisão a respeito dele nos diz respeito – para onde vai esse produto, como o produzir e em que condições – onde o próprio valor que nos é pago é claramente inferior ao justo. Nós temos muitas capacidades que nunca verão a luz do dia – que infelicidade! Desde logo porque na escola só são medidas e valorizadas certo tipo de capacidades que servem o modelo exploratório e produtivo. A própria inteligência medida através do QI  só mede uma restrita gama de capacidades humanas como tão bem explicou Gardner  no seu modelo de inteligências múltiplas – ao todo 8 -  ou Stenberg no seu modelo triárquico da inteligência.
Acredito que todos os seres humanos têm capacidades inexploradas e talentos escondidos, dos outros, mas mais grave ainda de si próprios. Acredito, ainda, que todos os seres humanos nasceram para ser livres e desenvolverem o seu máximo potencial e que, só assim, poderão ser verdadeiramente felizes.
Por isso, neste primeiro de Maio, só desejo que todos os seres humanos façam um esforço no sentido de procurar os seus talentos e desenvolvê-los para que, aos poucos, as gerações vindouras tenham nessa atitude o exemplo a seguir e não deixem que façam deles mera carne para alimento do capitalismo selvagem que enforma o nosso pensamento. Esse empreendimento gigantesco não se coaduna muito com o tipo de atitude que nos é característico, ou seja, alienarmo-nos através do divertimento, viver consoante a máxima : PÃO E CIRCO!

Maria João Varela





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