Não gosto de trabalhar. Curiosamente também não
gosto de estar sem fazer nada e ainda menos dos divertimentos ou distrações
comuns. Divertimento é sinónimo de esquecimento, alienação, irreflexão e é um
dos males principais das sociedades modernas. Este sistema bem montado do
capitalismo tem no divertimento um dos seus aliados mais preciosos pela
capacidade que este proporciona para que os indivíduos esqueçam a sua condição
e que saltem de um trabalho mal pago, isento de qualquer autonomia, onde estão
alienados do próprio produto do seu trabalho, diretamente para o caldeirão do
divertimento. Vemos então seres humanos que durante 5 ou mais dias vivem
alienados por um regime de trabalho usurpador da sua dignidade, um regime de
trabalho explorador e estuprador e durante o fim de semana vive alienado por um
conjunto de atividades alienatórias de cariz
lúdico e, bastas vezes, grosseiro que intenta contra as capacidades
cognitivas e criativas do ser humano.
Este é um sistema bem montado. Tem a sua
componente cognitiva que se manifesta através das crenças que partilhamos, das
expectativas que alimentamos e daquilo que valorizamos. Assim, temos quem nos
diga o que devemos valorizar ou desprezar; aquilo pelo qual vale a pena lutar ou
não e os valores orientadores da nossa ação. Tem uma componente emocional que
nos ensina o que amar e o que odiar, e uma componente comportamental com o seu
conjunto de normas e regras pelas quais orientamos o nosso comportamento. Valorizar
o trabalho, mesmo que o mesmo seja mal pago e claramente abusivo da nossa
integridade e dignidade é das mensagens mais disseminadas, daí que quando eu
digo não gostar de trabalhar olhos incrédulos se viram para mim, bocas
estupefactas se abrem fazendo-me crer alguma heresia ter a minha boca proferido. Mas
se pensarmos bem, gostar daquilo que nos
escraviza é que deveria ser uma heresia…
Somos inseridos
neste modelo desde que nascemos, por isso, tantas vezes acreditamos nas
mentiras que são perpetuadas de geração em geração. Eu tive a sorte e o azar de
não ter sido tão aculturada como a maioria. Saí muito cedo da escola e todo o
meu percurso escolar foi feito já na idade adulta, daí que muito do meu
pensamento, esculpido por grandes obras literárias que fui sempre lendo, já
estava formado e, consequentemente, não poderia já ser uniformizado ou
estandardizado. Por isso sinto-me na liberdade de dizer que não gosto de
trabalhar; gosto de criar. Acredito que as mulheres e os homens são criadores
potenciais e o trabalho como está organizado, dentro deste modelo capitalista e
explorador, corta as asas a esse potencial. As crenças que nos inculcam vão
muitas vezes no sentido contrário, fazendo-nos duvidar das nossas capacidades,
fazendo-nos conformar com uma vida em que somos alienados do produto do nosso
trabalho, onde nenhuma decisão a respeito dele nos diz respeito – para onde vai
esse produto, como o produzir e em que condições – onde o próprio valor que nos
é pago é claramente inferior ao justo. Nós temos muitas capacidades que nunca
verão a luz do dia – que infelicidade! Desde logo porque na escola só são
medidas e valorizadas certo tipo de capacidades que servem o modelo
exploratório e produtivo. A própria inteligência medida através do QI só mede uma restrita gama de capacidades
humanas como tão bem explicou Gardner no
seu modelo de inteligências múltiplas – ao todo 8 - ou Stenberg no seu modelo triárquico da
inteligência.
Acredito que todos os seres humanos têm
capacidades inexploradas e talentos escondidos, dos outros, mas mais grave
ainda de si próprios. Acredito, ainda, que todos os seres humanos nasceram para
ser livres e desenvolverem o seu máximo potencial e que, só assim, poderão ser
verdadeiramente felizes.
Por isso, neste primeiro de Maio, só desejo que
todos os seres humanos façam um esforço no sentido de procurar os seus talentos
e desenvolvê-los para que, aos poucos, as gerações vindouras tenham nessa
atitude o exemplo a seguir e não deixem que façam deles mera carne para
alimento do capitalismo selvagem que enforma o nosso pensamento. Esse empreendimento
gigantesco não se coaduna muito com o tipo de atitude que nos é característico,
ou seja, alienarmo-nos através do divertimento, viver consoante a máxima : PÃO E CIRCO!Maria João Varela
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