Ao ouvir um pouco, que para muito não há
paciência, o discurso na Assembleia da República para a comemoração dos 40 anos
do 25 de abril, aos poucos, a minha mente entediada levou-me à minha infância e
a um brinquedo que nem bem brinquedo era, mas que eu adorava; só tinha um
senão: era necessário pôr uma moedinha para fazer os bonecos dançar ao compasso
de uma música pré- determinada, mas que nós, do lado de fora de uma caixa de vidro
que permitia ver o conteúdo no interior, não adivinhávamos qual era até que
começasse a tocar e os bonecos a mexer.
Parti do pressuposto que se a minha mente fizera a
associação alguma lógica devia haver nisso, que isto de associações de
pensamentos não é assim tão aleatório como se possa pensar… Claro que rapidamente
me apercebi da semelhança ao reparar no aprumo dos bonecos com o cravo na
lapela e discurso elaborado e repetido a cada 25 de abril o que faz dele um
discurso oco, e da ocasião, um belo negócio para os cravos. É que os bonecos
das ditas caixas de música da minha infância também, tal como estes, só tocavam
quando lhe introduzíamos a dita cuja na ranhura; a diferença está no preço e é
claro que estes bonequinhos de cravo e charme popular, penteadinhos e
direitinhos, de vozes e tonalidades ensaiadas são também produto de alguma
cabeça que lhes dita os passos de dança. Só que, e aqui começam as diferenças,
já não divertem ninguém nem são, como os da caixinha, imprevisíveis na dança;
sabemos de antemão a música que nos querem dar e isso não há criança que
suporte nem povo que aguente… E dei por mim a ver neste facto o maior defeito
destes discursos de pacotilha, sem outro significado que não seja a tentativa
de dar relevância a discursos
anacrónicos saídos de bocas mecânicas, que dizem aquilo que são pagas para
dizer. Ao pé dos meus bonecos de infância, que também dançavam ao som da
moedinha, estes têm muito menos encanto pois embora ambos dancem tendo outras
mãos a ditar-lhes os passos, estes, de cravo na lapela já todos conhecem de
antemão a coreografia.
Tenho saudades do meu encantamento , sinto falta
das alegrias de infância e dos bonequinhos dançantes que observava estonteada
do lado de fora da caixa, observando e tentando imaginar que forças obscuras
lhes faziam mexer as pequeninas pernas de madeira e, quando deixavam de dançar,
olhava desapontada para a minha mãe na tentativa de lhe causar pena e de a
obrigar a pôr mais uma moeda na ranhura; hoje, inversamente, apetecia-me que a
moeda se gastasse e só pedia que ao parar a música os deixasse ficar
imobilizados em posturas desconfortáveis de preferência que lhes causasse
alguma entorse e tudo porque já conheço de antemão a música que vão dançar a
seguir…
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