quinta-feira, 17 de abril de 2014

Estamos a morrer

Alguém duvida que os tempos modernos trouxeram formas mais  mascaradas, mais sofisticadas e por isso mesmo mais perigosas de violação dos direitos humanos? A forma mais eficaz de violência é a que jaz escondida dos olhares horrorizados, é aquela que induz o medo, um medo aterrador de dia e de noite, um medo que se vira contra o próprio e faz duvidar de si sem pôr em causa o carrasco, atribuindo as culpas ou à sua própria falta de meios, ou de capacidades ou de ambos.
Que ninguém duvide que estamos a sofrer um massacre. Que massacre mais eficaz do que aquele que mata sem armas, sem sangue, sem ruído? Sim, aquele que mata a possibilidade de um povo se reproduzir? Que mata andes de se nascer? Que obriga uma mulher a escolher se quer ter um filho ou um emprego… Que massacre mais brutal do que ter de escolher dar assistência a um filho quando doente e faltar ao emprego, ficando sujeita a posicionar-se na primeira linha de alvos a despedir ou abandonar os filhos num momento de fragilidade?
Estamos a ser massacrados e ninguém se revolta porque não há vitimas espalhadas no chão, a matança faz-se nos gabinetes ministeriais, em vez de facas usa canetas e tinta, em vez de guerreiros usa cobardes. Mas faz-se e é eficaz. Quantos jovens deixaram de acreditar em si próprios? Na sua capacidade de mudar um país, de ser uma voz, de ter futuro? Que massacre de possibilidades, de crescimento, de sobrevivência se consegue no clima de medo instalado quando um jovem tem de calar ser esmifrado num qualquer estágio que, supostamente, seria pago, mas que, embora assine a folha de pagamento, não vê um cêntimo tendo de deslocar-se a expensas do próprio – com que sacrifício mais dos pais?
E os portugueses não se revoltam porque muitos acreditam, nem que apenas secretamente, que de alguma forma merecem o que lhes está a acontecer, que em vez de vitimas são carrascos, que em vez de uma armadilha, de um tapete tirado sem dó deixando um vazio no lugar de um futuro, alguém lhe estendeu outrora um tapete vermelho e que agora lhe têm de mudar a cor. Mas não é nada disso. Estamos mesmo a ser massacrados, entregues empacotados, com um belo laço em cima, nas mãos de um mercado impiedoso. Ah, agora temos mais investimento… E por que razão? Por que nos tornámos atrativos rapidamente pelo nosso desenvolvimento? Nada disso. Simplesmente estamos a ganhar quase só para o pão e muitos trabalham tendo de pedir o sustento em instituições de caridade. Claro que somos atrativos como escravos.

As nossas cabeças estão a ser esmagadas e as das nossas crianças que vão para a escola sem comer também; reduzem-lhes as possibilidades de se desenvolverem cognitivamente: estamos a gerar “burros” seremos uma nação de burros para substituir os que estavam em via de extinção. E os media ajudam. Ajudam com os seus programas aberrantes que matam os neurónios horrorizados com tanta merda. E os concertos ajudam a esquecer a vida da treta que se vive, e o futebol, os vídeos partilhados, os risos… Não podemos esquecer. Não nos podemos rir. Deveríamos estar a chorar porque estamos a morrer…

Maria João Varela


Sem comentários:

Enviar um comentário