Alguém duvida que os tempos modernos trouxeram
formas mais mascaradas, mais
sofisticadas e por isso mesmo mais perigosas de violação dos direitos humanos?
A forma mais eficaz de violência é a que jaz escondida dos olhares
horrorizados, é aquela que induz o medo, um medo aterrador de dia e de noite,
um medo que se vira contra o próprio e faz duvidar de si sem pôr em causa o
carrasco, atribuindo as culpas ou à sua própria falta de meios, ou de
capacidades ou de ambos.
Que ninguém duvide que estamos a sofrer um
massacre. Que massacre mais eficaz do que aquele que mata sem armas, sem
sangue, sem ruído? Sim, aquele que mata a possibilidade de um povo se
reproduzir? Que mata andes de se nascer? Que obriga uma mulher a escolher se quer ter um filho ou um emprego…
Que massacre mais brutal do que ter de escolher dar assistência a um filho
quando doente e faltar ao emprego, ficando sujeita a posicionar-se na primeira
linha de alvos a despedir ou abandonar os filhos num momento de fragilidade?
Estamos a ser massacrados e ninguém se revolta porque
não há vitimas espalhadas no chão, a matança faz-se nos gabinetes ministeriais,
em vez de facas usa canetas e tinta, em vez de guerreiros usa cobardes. Mas
faz-se e é eficaz. Quantos jovens deixaram de acreditar em si próprios? Na sua
capacidade de mudar um país, de ser uma voz, de ter futuro? Que massacre de
possibilidades, de crescimento, de sobrevivência se consegue no clima de medo
instalado quando um jovem tem de calar ser esmifrado num qualquer estágio que,
supostamente, seria pago, mas que, embora assine a folha de pagamento, não vê
um cêntimo tendo de deslocar-se a expensas do próprio – com que sacrifício mais
dos pais?
E os portugueses não se revoltam porque muitos acreditam,
nem que apenas secretamente, que de alguma forma merecem o que lhes está a
acontecer, que em vez de vitimas são carrascos, que em vez de uma armadilha, de
um tapete tirado sem dó deixando um vazio no lugar de um futuro, alguém lhe
estendeu outrora um tapete vermelho e que agora lhe têm de mudar a cor. Mas não
é nada disso. Estamos mesmo a ser massacrados, entregues empacotados, com um
belo laço em cima, nas mãos de um mercado impiedoso. Ah, agora temos mais
investimento… E por que razão? Por que nos tornámos atrativos rapidamente pelo
nosso desenvolvimento? Nada disso. Simplesmente estamos a ganhar quase só para
o pão e muitos trabalham tendo de pedir o sustento em instituições de caridade.
Claro que somos atrativos como escravos.
As nossas cabeças estão a ser esmagadas e as das
nossas crianças que vão para a escola sem comer também; reduzem-lhes as
possibilidades de se desenvolverem cognitivamente: estamos a gerar “burros”
seremos uma nação de burros para substituir os que estavam em via de extinção. E
os media ajudam. Ajudam com os seus programas aberrantes que matam os neurónios
horrorizados com tanta merda. E os concertos ajudam a esquecer a vida da treta
que se vive, e o futebol, os vídeos partilhados, os risos… Não podemos
esquecer. Não nos podemos rir. Deveríamos estar a chorar porque estamos a
morrer…
Maria João Varela
Sem comentários:
Enviar um comentário