Dorme! Dorme nesse sono acordado; deixa-te embalar
pelas melodias melífluas de palavras encantatórias que saem das bocas vorazes
que te engolirão ao teu primeiro suspiro. Dorme, enquanto o inimigo te faz uma
cama de seda perfumada, embrenha-te nessa sedução ciente que acordarás do sonho
e que te darás conta que mais não és do que o alimento dessa máquina insaciável.
Se olhares para trás verás a quantos lhes foi extraída a alma, a quantos lhes
foi sugada meia vida – ficando só a outra meia para manter acesa a chama da
fornalha que alimenta o motor do crescimento. Carne humana, seiva de vida,
extrato de essência expugnado. És tu simplesmente isso? Não és então dono e
senhor da tua vida, acobardas-te?
Acorda! Ainda dorme em ti a força e coragem de
seres tu mesmo! Não te deixes embalar nas palavras proferidas por aqueles para
quem nada mais és do que produto para combustão… Olha-lhes para as bocarras;
vês como de cada bafo seu saem odores de outras mortes, daqueles que ainda
arrastam os pés para lhes dar o alimento que nunca os saciarão?
Foge dessa máquina desumanizadora; foge dessa engrenagem
ferrugenta que só destrói, que só mata, aos poucos como convém: esmagando os
ossos, quebrando a força, arrancando aos solavancos as lágrimas de ácido que
corrói a estrutura que há de desabar, não se sabe bem quando nem como.
Olha bem em volta e diz-me, que vês? Acaso te
passam despercebidos os gritos por socorro? Acaso gritas também surdamente para
tu próprio não te ouvires? Vês futuro algum ou só umas quantas bocas ávidas por
cujos lábios escorrem fios de sangue de vítimas inocentes? Olha bem para ti.
Assim te defines ou deixas definir, somente como mais uma peça na engrenagem
como te murmuraram esses lábios por onde saem palavras enganosas, palavras febris
que aguardam que te aproximes e deixes engolir?
Se não há outro futuro aqui que não este, está na
hora de construir outro, de fazer parar a engrenagem… por que esperas? Acaso aguardas
ainda que das bocarras saiam restos de alimento para te confortar os dias;
acaso vives bem ao saber que te alimentas dos teus companheiros de jornada?
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