sábado, 12 de abril de 2014

Voracidade

Dorme! Dorme nesse sono acordado; deixa-te embalar pelas melodias melífluas de palavras encantatórias que saem das bocas vorazes que te engolirão ao teu primeiro suspiro. Dorme, enquanto o inimigo te faz uma cama de seda perfumada, embrenha-te nessa sedução ciente que acordarás do sonho e que te darás conta que mais não és do que o alimento dessa máquina insaciável. Se olhares para trás verás a quantos lhes foi extraída a alma, a quantos lhes foi sugada meia vida – ficando só a outra meia para manter acesa a chama da fornalha que alimenta o motor do crescimento. Carne humana, seiva de vida, extrato de essência expugnado. És tu simplesmente isso? Não és então dono e senhor da tua vida, acobardas-te?
Acorda! Ainda dorme em ti a força e coragem de seres tu mesmo! Não te deixes embalar nas palavras proferidas por aqueles para quem nada mais és do que produto para combustão… Olha-lhes para as bocarras; vês como de cada bafo seu saem odores de outras mortes, daqueles que ainda arrastam os pés para lhes dar o alimento que nunca os saciarão?
Foge dessa máquina desumanizadora; foge dessa engrenagem ferrugenta que só destrói, que só mata, aos poucos como convém: esmagando os ossos, quebrando a força, arrancando aos solavancos as lágrimas de ácido que corrói a estrutura que há de desabar, não se sabe bem quando nem como.
Olha bem em volta e diz-me, que vês? Acaso te passam despercebidos os gritos por socorro? Acaso gritas também surdamente para tu próprio não te ouvires? Vês futuro algum ou só umas quantas bocas ávidas por cujos lábios escorrem fios de sangue de vítimas inocentes? Olha bem para ti. Assim te defines ou deixas definir, somente como mais uma peça na engrenagem como te murmuraram esses lábios por onde saem palavras enganosas, palavras febris que aguardam que te aproximes e deixes engolir?
Se não há outro futuro aqui que não este, está na hora de construir outro, de fazer parar a engrenagem… por que esperas? Acaso aguardas ainda que das bocarras saiam restos de alimento para te confortar os dias; acaso vives bem ao saber que te alimentas dos teus companheiros de jornada?   


Maria João Varela


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