domingo, 13 de julho de 2014

Corcundas virtuais

“ - Mãe, mãe, olha aqui!” . A pequena não devia ter mais de quatro anos e esperava ,como gente grande, a vez da mãe ser atendida na CGD.  Enquanto isso, entretinha-se, como muitas crianças da sua idade, com um carrinho com um boneco com quem se ocupava querendo mostrar à mãe uma qualquer habilidade que passará para sempre despercebida pois a mesma não levantou os olhos do seu Ipad, ou Iphone ou que seja que tivesse em mãos. Sorria para o aparelho que manuseava com desenvoltura enquanto ia teclando furiosamente para alguém ausente, mas que lhe preenchia a mente mais do que o pequeno ser que ainda tentou de novo com a persistência característica de crianças desta idade: “- Olha, mamã!”.  Agora o apelo era mais forte e a mãe, visivelmente incomodada, esboçou um sorriso amarelo advertindo que não a chateasse.
Pergunto-me, que pode ser mais interessante dentro de um aparelho para que tenha direito ao sorriso e atenção que esta mãe negava agora à filha? Visivelmente desiludida continuou sozinha a brincadeira,  por mais uns minutos, mas claramente se aborrecia por não ter com quem partilhar as alegrias da experiência ou simplesmente para mimetizar o comportamento da própria mãe, posou o boneco no berço e sentou-se mais junto desta  começando a olhar para o ecrã talvez, quem sabe, ciumenta, da atenção despropositada que atraía a progenitora.  A mãe sorriu, agora sim para a criança, que ficou como ela atenta ao que se passava no mundo virtual e completamente alheia à experiência real que poderiam estar a compartilhar juntas.
Pergunto-me que lição terá aprendido a criança desta interação? Talvez que as suas brincadeiras são pouco atrativas, que ela própria é pouco interessante, que terá a atenção da mãe se também, ela, fizer o mesmo que a mãe faz…  claro que se for um caso pontual não tem importância nenhuma, tendo eu observado o que me inspirou a escrita  num momento sem réplica. Mas acredito pouco nisso. É cada vez mais comum ver este tipo de cenas que, quanto a mim, irão ter repercussões que ainda desconhecemos.
Ia deixando passar a sua vez tão alheada estava no divertimento virtual; a experiência real, passou ao lado sem lhe ter pousado a vista em cima… Nunca mais voltará. Até poderá ter uma parecida, mas esta certamente perdeu-se num ato inconsequente cujas consequências, além das desconhecidas, serão, provavelmente, o facto de vir a sofrer de algum tipo de corcunda no pescoço da posição que o mesmo adota para olhar para o ecrã, antevejo já as deformidades que advirão deste abuso e não me compadeço pois estas mesmas informações poderão consultar em qualquer Iphone ou Ipad – para mim é tudo o mesmo – que tenham agora entre as mãos…

Maria João Varela 

1 comentário:

  1. O olhar, a oportunidade de com elas ser também criança ... e assim (re) lembrar o que se é e quem È, é uma bênção ... é só perceber o quanto é importante o Amor!
    Obrigada Ponto&Virgula, Maria João, pela partilha.

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