sexta-feira, 4 de julho de 2014

Amor de "velhos"

Caminhavam juntos, muito agarradinhos, não só pelas mãos que iam dadas, mas também pelos olhares que ainda brilhavam quando se cruzavam. Pertenciam um ao outro, sabiam-no, pertenciam-se até sempre; até que a morte os separasse e mais além. Ele, de fato já folgado nas mangas, que os braços eram agora apenas preenchidos pelas parcas peles enrugadas e mirradas e ela de cós a bailar na cintura numa saia cinza que, apesar de tudo, lhe assentava bem. Seguiam bem no centro da rua apilhada de gente: turistas armados de câmaras fotográficas querendo levar para casa parte da cidade, pequenos de uma pré- escola que seguiam qual comboio aos quadradinhos – amarelos, rosa e azuis – muito enfileirados e aprumados, obedientes à voz da educadora que os mantinha na linha imaginária, uma mulher de camisa às bolas vermelhas que balançavam ao ritmo dos saltos agulha, altíssimos, onde se equilibrava a custo; eles seguiam inteiramente alheados de vidas mais cheias de outras cores, só  preenchiam o olhar um do outro, onde se miravam reciprocamente pelo espelho do amor. Sabiam que estavam velhos, mas era só por fora, para os outros, porque eles  próprios viam-se por dentro, e continuavam os mesmos eternos apaixonados; via-se na força com que se agarravam na mão e no orgulho com que pavoneavam o amor mesmo no centro da rua.  Seguiam devagar como quem tem todo o tempo do mundo, ou talvez apenas como quem aproveita, saboreando cada gotícula de prazer que se apresente, que lhe saboreie toda a intensidade; está talvez aí o segredo de quem já tem menos tempo para viver, talvez viva mais cada momento, não sei. Talvez apenas que o amor não tenha constrições cronológicas, ou apenas quando se sabe que é , mesmo, para sempre  assim, seguro, se apresente com essa intensidade. Não era um amor qualquer, isso percebia-se pela altivez dela malgrado a corcunda que a sugava para a terra – haverá alguma mulher mais segura de si do que aquela que se sabe amada pelo seu homem? – era feito de respeito que se via pela amabilidade das palavras que trocavam; era confiança pois entregará alguém a velhice, assim, de uma forma tão absoluta, a um qualquer desleal? E era também amizade, que casal sobrevive sem uma boa dose desta, quando todos os outros atrativos se foram? 

Maria João Varela


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