terça-feira, 12 de maio de 2015

Alienados

Passeavam corpos, corpos esses sem ninguém lá dentro.  Os legítimos donos ,ausentes, sabe-se lá onde ou para quê tinham deixado à deriva, entregues a automatismos diários, sem supervisão ou vida, apenas isso: corpos. Olhos pousados no asfalto- ou na tecnologia?- prosseguiam, contudo, a rotina sem prendarem o mundo com a sua presença. Seriam cadáveres? Cadáveres não eram pois mexiam- os cadáveres não mexem…
Eram pretos e brancos, vermelhos e amarelos- sem serem muito garridos, claro!- mas todos sem exceção vinham vazios de gente. Onde andariam aquelas almas perdidas?  Viajavam. No passado ou futuro. Mas sempre ausentes da vida. Quem lha poderia restituir antes que fosse tarde?
Andar, andavam. Paravam nos semáforos- mas não paravam para se ajudar uns aos outros- apressados, sempre apressados e ocupados. Ocupados com tão pouco daquilo que vale a pena, mas acreditavam que sim, que valia o sacrifício com que entregavam a vida aos apelos de um mundo sempre exigente e chamativo. Viajavam pelo tempo- passado e futuro- , mas ausentes do presente e ausentes de si. Eram impelidos por uma força maior que puxava, puxava para que andassem sem parar, mas eram apenas e só autómatos e escravos, escravos do tempo.

Já nem corpos eram. Também já não viajavam no tempo. Mas continuava a não haver ninguém dentro dos corpos inexistentes. Não existia nada. Mas andavam, paravam nos semáforos- e já nem se viam uns aos outros- perdidos num mundo inexistente. Nasciam e morriam, sem viver…

Maria João Varela


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