Abro a porta e entra em mim toda a dor do mundo…
Todos os gritos e ais são meus, todos os prantos de almas torturadas massacram o que era um corpo, o meu corpo…
Sinto mais fortemente a lancinante amargura da existência. Fico quieta e entro,
fecho a porta ao mundo e como apazigua o negro que se instala por debaixo dos
cobertores! Apetece-me desprender do mundo;
é tudo tão pesado, tudo requer tanto esforço e os pensamentos enovelam-se tornando
confuso e estranho esse mundo de que fujo fechando a porta… Há tantas montanhas
a escalar, tantas portas para arrombar, tantas lutas vãs e hoje, ah hoje, só me
apetece encerrar portas e janelas e entregar-me numa rendição absoluta, deixar
que outros cavem a terra e lá plantem as suas sementes…
Abri os olhos e senti como se fosse a primeira
vez que os abria, como se fosse hoje a primeira vez que me descobria longe do
ventre materno, nesse lugar mais doce do mundo, mais acolhedor; o mundo hoje é-me
hostil, pesa-me como da primeira vez que me encontrei nele só, hoje cortaram-me
o cordão, como mo cortaram num dia já longínquo
quando, sozinha, enfrentei o mundo… Hoje até me pesam os sorrisos, as ajudas,
as ternuras, hoje é a dor primordial da existência que impera: retrocedo
apavorada; tranco portas e janelas e olho para dentro querendo esquecer os
olhares vindos de fora invasores de almas, perscrutadores de seres indefesos
que, tal como eu, se debatem na luta intemporal por perseverar… Mas não me
tirem este momento, não me atordoem com entreténs modernos cheios de luz e de
cor falsas, não me façam esquecer que sou frágil, que sou gente, não me dopem
nem me tornem invencível com hedonistas promessas de felicidade eterna, não me chamem o
que não sou: uma pedra. Pedra é que não sente quando a pisam, pedra é que todos
os dias é pedra, pedra não sente a dor da inexistência futura por nunca ter
existido… Oh, que saudades de mim…
Maria João Varela
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