sábado, 5 de outubro de 2013

Tempestade

Chegaste assim de mansinho para me minares e nem dei por ti, tal como não dá a ponte pela corrosão que um rio, sempre corrente, lhe provoca fazendo-lhe estremecer  as estruturas . Talvez não te notasse como não nota a granítica rocha que a doce e suave água que passa lá deixará o seu rasto, porque parece inofensiva, causa estragos. Parecias estar somente de passagem, como um visitante que apenas fica pela novidade da paisagem, pela curiosidade de descobrir novas moradas e por isso mesmo quando vi que ficavas já era tarde; já me possuías o leme e comandavas a embarcação  rumo a alto mar.
Povoaste-me os sonhos, os que sonho a dormir e os que, acordada, me levam em tormentosas tempestades; pobres entidades incorpóreas e diáfanas que se agregaram a mim e em fantasias se fizeram vivas e presentes atuando como melífluas e mortais personagens  que são, à vez,  público e produtor.
Que força é essa que paralisa impossibilitando a fuga sem corrente que prenda? Que poder te conferi eu para com um gesto me condenares ao inferno ou me elevares aos céus? Temo esse poder que te dei, nem sei como nem porquê; entreguei-te a capitania e navego agora nos mares por ti traçados.
Julgava-me a salvo do furacão que se formava deixando-me enganar pela calidez com que te apresentavas, só a inocência permite tal engano pois não é  em tais climas quentes que as mais mortíferas tempestades se formam? Não é mesmo no seio dos mais perfeitos climas que os tufões se formam e num rodopio destroem tudo o que encontram?  Neguei todas as evidências e fui ficando, mais e mais tempo, nas tuas redondezas até que a velocidade dos ventos que te assombram me veio soltar as folhas de outono e me deixaram nua.
Foste-me tragando as entranhas qual hospedeiro parasita em morada alheia, alimentaste-te do meu fogo, do mel e do amor consumiste-me por dentro para me rasgares na saída… Foram-se os ventos e as ondas da tempestade, mas ficou o salgado na pele e o cheiro a maresia. E as folhas? Essas, ao desprendê-las renovaste-as deixando uma nova mulher no lugar…

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