quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Tréguas

Enterrámos o machado de guerra e a comprová-lo está a tua camisa e a minha entrelaçados no chão de um quarto repleto de aromas de amor; os desatinos, esses, foram-se assim que pisámos o chão que nos lembra outras noites, outros encontros de vícios feitos, que rasgam as roupas e reconstroem a alma. Nesses momentos em que seduzidos, ambos, nos entregamos numa rendição absoluta, em que tu e eu nos transportamos numa onda de prazer para outros paraísos que nem terrenos são, em que tudo o que é palpável se desintegra dando vida a um outro mundo só nosso, lá estão as nossas intimidades expostas que jazem em formas retorcidas e se abraçam no chão.
Tirámos tudo, e nesse desnudar ficámos tão dignos de amor, numa crueza e soberba poderosa que nem todos os amantes conhecem por faltar a coragem de serem vistos por inteiro; aterroriza que nos vejam e sintam quando nos abandonamos: que seria se neste momento em que larguei a armadura com que me apresento, em que atiro ao chão os acessórios que me aconchegam o corpo me rejeitasses? Mas não o fazes pois também tu anseias por ser completo nessa entrega.
Aos poucos vão-se os sons que não são de amor feitos, ficam só o teu arfar e o meu, esquecem-se outros vícios e sem mais delongas cobrimos de beijos os corpos nus, rejeitadas as roupas que imitam no chão o que se passa na cama: cada peça tua e minha, atiradas assim sem jeito nem cuidado, se sentiram atraídas e se entreteceram…
Esquecem-se os prantos, turva-se a visão e o resto da paisagem, envergonhada de tanta paixão, dissemina-se por momentos e já só o que existe são sentimentos; sem corpos nem roupas; só um movimento crescente que culmina e decai…

Volta, aos poucos, tudo ao que é, voltamos a ser gente e volta o quarto ao seu lugar trazendo o mundo junto com as estantes, as gavetas, os móveis todos. E voltam os sons do mundo, os cheiros do quotidiano, apanham-se as roupas  e desenterramos o machado… 

Maria João Varela

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