Dei por mim a trocar o pacote,
algo que sempre me tinha passado despercebido surgia, agora, iluminado pela luz
reveladora da consciência: eu também era das tais; daquelas eternas
insatisfeitas com a aparência exterior de caixas e pacotes como se uma simples
amolgadela os tornasse indignos de consumo e os empurrasse para as traseiras
das prateleiras até que o distribuidor cansado da falta de saída do produto
decidisse dar-lhe outro destino.
Só me tornei consciente de tal
ato porque um amigo uns dias antes tinha referido o facto dizendo o quanto
achava interessante que as mulheres perdessem tanto tempo a escolher a
embalagem de cereais, virando-a de todos os lados numa busca incansável pela
embalagem perfeita. Sorri e pensei para mim que eu não era dessas; pois bem
aqui estava a prova de que ele estava correto: eu tinha acabado de recolocar no
seu devido lugar uma embalagem não de cereais, mas de soja, que se tinha
revelado pouco menos que imaculada.
A amolgadela, a bem dizer, nem
sequer se via bem a olho nu, era mais do género microscópico- teremos nós
mulheres um sentido extra- sensorial à semelhança do nosso sexto sentido para
detetar embalagens que tenham levado um toque ? E já agora que influência tem isso na qualidade do
produto que levamos para casa? Talvez um floco de cereais com uma ponta partida,
leite cujas brancas moléculas se unem um pouco mais para compensar a compressão
extra do pacote; ou quem sabe detergente que faça menos uma bola de sabão? Sim
porque no que toca a embalagens as de detergente são, também, sujeitas à mesma
rigorosa inspeção.
Deu-me que pensar porque é que
nós, mulheres- quais formiguinhas azafamadas- perderíamos o nosso precioso
tempo num ato assim tão isento de sentido; porque é que nos sujeitaríamos à
inspeção minuciosa de cada embalagem quando o nosso tempo escasseia? Puro
exercício do nosso sentido de estética ou simples resquício do processo
evolutivo em que uma “amolgadela”, nesses tempos onde nem embalagens havia,
significava putrefação avançada do alimento e a diferença entre a vida e a
morte?
É que a verdade aparecia agora
nua e crua pois também eu, à semelhança do meu amigo, ficava agora observando as
mulheres e comprovando que se dedicavam ao mesmo tipo de exercício: tiravam e
voltavam a colocar no lugar as embalagens mesmo que só levemente defeituosas;
valha-nos o sentido prático dos homens para que os supermercados escoem
produtos sujeitos às vicissitudes do transporte, embora tenham por sua vez, quando a casa chegados,
de se submeter a uma mentirinha piedosa dizendo que foram eles mesmos que amolgaram a embalagem.
É assim que a insensatez deste
ritual se torna mais irritante pois quando uma dada embalagem se amolga sendo
nós- ou um dos nossos- a transportá-la, o que era um defeito inconciliável com
a nossa exigência de qualidade torna-se algo sem importância ou relevo.
Dou agora por mim, muitas e
muitas vezes, devolvendo à prateleira um qualquer pacote cuja amolgadela desconheço a proveniência
enquanto transporto para casa um outro, há segundos intacto, mas pela força com
que, apressada, o coloquei no cesto, com uma amolgadela profunda no canto superior
direito cuja proveniência do toque- o meu descuido- lhe conferiu, no entanto, o
direito de se sentar na prateleira da minha despensa.
Haja santa paciência para este
bicho estranho que se chama mulher!
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