quarta-feira, 24 de julho de 2013

Escolhas difíceis

Dei por mim a trocar o pacote, algo que sempre me tinha passado despercebido surgia, agora, iluminado pela luz reveladora da consciência: eu também era das tais; daquelas eternas insatisfeitas com a aparência exterior de caixas e pacotes como se uma simples amolgadela os tornasse indignos de consumo e os empurrasse para as traseiras das prateleiras até que o distribuidor cansado da falta de saída do produto decidisse dar-lhe outro destino.
Só me tornei consciente de tal ato porque um amigo uns dias antes tinha referido o facto dizendo o quanto achava interessante que as mulheres perdessem tanto tempo a escolher a embalagem de cereais, virando-a de todos os lados numa busca incansável pela embalagem perfeita. Sorri e pensei para mim que eu não era dessas; pois bem aqui estava a prova de que ele estava correto: eu tinha acabado de recolocar no seu devido lugar uma embalagem não de cereais, mas de soja, que se tinha revelado pouco menos que imaculada.
A amolgadela, a bem dizer, nem sequer se via bem a olho nu, era mais do género microscópico- teremos nós mulheres um sentido extra- sensorial à semelhança do nosso sexto sentido para detetar embalagens que tenham levado um toque ? E já agora  que influência tem isso na qualidade do produto que levamos para casa? Talvez um floco de cereais com uma ponta partida, leite cujas brancas moléculas se unem um pouco mais para compensar a compressão extra do pacote; ou quem sabe detergente que faça menos uma bola de sabão? Sim porque no que toca a embalagens as de detergente são, também, sujeitas à mesma rigorosa inspeção.
Deu-me que pensar porque é que nós, mulheres- quais formiguinhas azafamadas- perderíamos o nosso precioso tempo num ato assim tão isento de sentido; porque é que nos sujeitaríamos à inspeção minuciosa de cada embalagem quando o nosso tempo escasseia? Puro exercício do nosso sentido de estética ou simples resquício do processo evolutivo em que uma “amolgadela”, nesses tempos onde nem embalagens havia, significava putrefação avançada do alimento e a diferença entre a vida e a morte?
É que a verdade aparecia agora nua e crua pois também eu, à semelhança do meu amigo, ficava agora observando as mulheres e comprovando que se dedicavam ao mesmo tipo de exercício: tiravam e voltavam a colocar no lugar as embalagens mesmo que só levemente defeituosas; valha-nos o sentido prático dos homens para que os supermercados escoem produtos sujeitos às vicissitudes do transporte, embora  tenham por sua vez, quando a casa chegados, de se submeter a uma mentirinha piedosa dizendo que foram eles mesmos que  amolgaram a embalagem.
É assim que a insensatez deste ritual se torna mais irritante pois quando uma dada embalagem se amolga sendo nós- ou um dos nossos- a transportá-la, o que era um defeito inconciliável com a nossa exigência de qualidade torna-se algo sem importância ou relevo.
Dou agora por mim, muitas e muitas vezes, devolvendo à prateleira um qualquer pacote  cuja amolgadela desconheço a proveniência enquanto transporto para casa um outro, há segundos intacto, mas pela força com que, apressada, o coloquei no cesto, com uma amolgadela profunda no canto superior direito cuja proveniência do toque- o meu descuido- lhe conferiu, no entanto, o direito de se sentar na prateleira da minha despensa.
Haja santa paciência para este bicho estranho que se chama mulher!


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