quinta-feira, 18 de julho de 2013

O cuidador de rosas

Enquanto todos ainda dormiam e a aurora anunciava o dia, ele, levantava-se e orgulhoso do seu esforço, mal enfiava um robe meio rasgado já, e lá ia pelo carreiro fora com os olhos ainda inchados de sono. Ligava as mangueiras porque com o calor que se avizinhava era uma tarefa urgente e ali ficava a imaginar o prazer que lhe daria quando começassem a surgir os primeiros botões.
A imaginação voava levando-o até ao mercado onde o esperariam clientes ansiosos pelas suas magníficas rosas já famosas no concelho. Via-se a dar entrevistas onde partilhava os seus segredos e dicas de plantio enquanto com ar sábio fazia menção de acrescentar a importância da dedicação e paixão com que cuidava do jardim, relevando até o seu esforço hercúleo- pois enquanto todos os outros dormiam, ele, já lá estava para cuidar das suas rosas.
Enquanto imaginava o futuro desejado ia caminhando pelo estreito carreiro e observava, agora que clareava rapidamente, se havia alguns indícios de fungos ou outra qualquer maleita que pudesse deitar a perder todo o esforço de uma época; mas não. Deitou um olhar de esguelha, como que envergonhado por observar a plantação vizinha, tentando detetar indícios de botões e apesar do crepúsculo não deixar antever grande coisa, pareceu-lhe um vislumbre daquilo que tanto desejava encontrar, mas do lado de cá da cerca.
Mal o pensamento lhe aflorou à cabeça logo tratou de o afastar- mas quem disse que primeiro é sinal de melhor? Até podia ter visto mal, ou quem sabe era mau presságio e significava que o romper dos primeiros botões mais cedo significava simplesmente que não durariam muito, ou que seriam de qualidade inferior. Mesmo assim, apressou-se a entrar e mesmo antes de deitar alguma comida na boca tratou de consultar o último manual que tinha comprado- e que honra lhe seja feita tinha custado uma fortuna- e item por item assegurou-se que estava a cumprir escrupulosamente os conselhos dos mais prestigiados criadores de rosas. Agora mais calmo, lá tratou de matar o bicho enquanto pela janela dava mais uma olhadela para os campos bem cuidados, resultado do esforço contínuo de longos meses.
Não conseguia entender como é que pensavam os outros vir a ter alguma plantação  que jeito tivesse. Além daquele, repartiam-se por múltiplos negócios, ele bem reparava que havia até alguns dias que as pobres flores em potencial não viam água; ah , mas quando eles pusessem a vista em cima das suas rosas iriam perceber que só com muito esforço e dedicação poderiam um dia almejar uma plantação como a sua… sem saber porquê, no entanto, uma sombra negra pairava ensombrando a sua felicidade futura.
Os dias que se seguiram foram de uma verdadeira tortura porque a verdade é que, a passos largos, de todas as roseiras das redondezas brotavam já microscópicos botões amarelos, vermelhos, brancos - que a sua vista apurada pela desconfiança conseguia vislumbrar- de todas menos uma , da sua.
Aproximou-se do seu bem cuidado roseiral, um pouco tonto com a inesperada constatação e foi tomado de espanto e admiração, pois embora bem mais difíceis de detetar, a verdade é que também se podia já adivinhar pequenos botões que rompiam os caules despidos e iluminavam a alma do pobre coitado que via assim o seu trabalho recompensado. Mas a alegria não durou muito; os dias e semanas seguintes foram passados a assistir a uma dolorosa realidade: todos os seus vizinhos tinham rosas, umas melhores que outras é verdade, mas rosas, que camiões chegavam para levar para o mercado, no entanto, a plantação mais bem cuidada, acarinhada, regada com abundância nos dias quentes de verão mais não tinha dado do que uns espinhos que iam agora já bastante desenvolvidos e que premiavam quem deles se aproximasse com umas boas picadelas.


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