Entediados com a perfeição do
paraíso os deuses criaram uma bola de água, semeada aqui e ali, de promontórios
de terra e ficaram a vê-la girar no espaço e à volta do sol por uma eternidade,
mas como a eternidade nunca mais acaba, é mesmo muito, muito longa, entediaram-se
outra vez. Vai daí inventaram umas plantas que nasciam, cresciam e morriam e
divertiram-se por outra eternidade a vê-las
virarem-se para o sol que era sem dúvida a invenção mais genial que
tinham conseguido até ali.
Os deuses nem eram muito exigentes nisto de se
divertirem- pelo menos não tanto quanto nós somos nos tempos que correm- o
problema é sempre o mesmo: a eternidade custa mesmo muito tempo a passar… por
isso, quando deram por ela estavam cansados de tanta previsibilidade outra vez.
Impunha-se então outra criação e foi aí que surgiram os animais, sofisticação
suprema de Thanatos que se orgulhava
do poder de distração que encerravam as suas lutas pela sobrevivência, onde se
faziam apostas no céu para ver quem levaria
a melhor numa corrida raiada de sangue onde os mais fracos, jovens e doentes
perdiam quase sempre numa luta desigual. Isto sim, ajudou a passar os dias
enfadonhos prenhes de tédio durante várias eternidades, mas…
Thanatos tinha agora má reputação perante os outros deuses porquanto de uma forma ou de outra o produto
da criação acabava sempre da mesma maneira; se não morressem numa das
sangrentas lutas entre eles, morriam por outras causas várias ou devido ao que
aos olhos dos deuses parecia uma predisposição natural para se entregarem,
passado algum tempo, às mãos de Thanatos
por sua livre vontade. É que isto da eternidade não é para qualquer um.
Posto isto, Ágape fez então uma
exigência, cansado que estava com a preponderância
de Thanatos: os novos seres criados
teriam a oportunidade de se livrarem de Thanatos
bastando para tal que se entregassem de livre vontade a Ágape que tomaria então conta deles não os deixando morrer. Não-
retorquiu Thanatos, isso seria fácil
demais e não daria para nos entreterem
nem por meia eternidade quanto mais uma eternidade inteira; a única coisa que
se poderia arranjar era fazê-los desejar, mas nunca encontrar Ágape. Assentiram, parecia-lhes bem que
procurassem sem encontrar. Logo outra divina voz se levantou: “Eles não têm
todo o nosso tempo, depressa se cansarão de procurar se nunca encontrarem nada…”
Eros ofereceu-se então para servir
como isco “ Eles pensarão que te encontraram, Ágape, sempre que depararem comigo, os que persistirem então na tua
busca, conhecendo a diferença entre ambos serão, assim, recompensados e viverão
para sempre. Olharam uns para os outros percebendo de imediato que abriam um
precedente para que a sua criação se lhes equiparasse e se lhes juntasse na
vida eterna.
Conheciam, porém, a força de
poder e sedução de Eros e
acreditavam que uma vez que o encontrassem, rapidamente, as mulheres e os
homens-assim entenderam os deuses chamar à sua nova criação- esqueceriam Ágape e enredar-se-iam para sempre nos
braços voluptuosos de Eros e esse
enredo de dependência e apego seria suficiente para entreter os deuses viciados
em palcos de atores vivos e verdadeiros cujas intrigas, prazeres, amor e morte
dariam agora para os manter ocupados pelo resto dos seus intermináveis dias.
De facto, como previsto, homens e
mulheres chegavam em catadupa e caiam desamparados
nas mãos hábeis de Eros que
trabalhava em cooperação estreita com Thanatos;
poucos eram os que- embora trouxessem dentro um desejo de Ágape- continuassem a busca: viam Eros e entregavam-se-lhes indefesos.
Assim continua até hoje, homens e
mulheres distraindo e divertindo os deuses que sedentos de prazeres mundanos se
deleitam concupiscentemente às tramas de amor carnal levadas a cena por
mulheres e homens ignorantes e ingénuos numa busca eterna, tão eterna como a vida daqueles
que ajudam a entreter, condenados que estão a uma entediante eternidade. Necessitando
de Ágape entregam-se, julgando encontrá-lo,
nos braços de um Eros egoísta e
caprichoso que os despacha , logo que possível, nas mãos impiedosas de Thanatos.
Só uns poucos sobrevivem, tão
poucos que desde o começo da criação só se conhecem uns quantos que dão para
contar pelos dedos de uma só mão. Mas temos de reconhecer que estes tiveram o
privilégio prometido por Thanatos,
nunca morreram, encontrando-se ainda na memória de mulheres e homens
inspirando-os na busca, mas contribuindo para a sua desgraça e para gaudio dos
deuses que esgotadas que estavam as hipóteses de novas criações têm assim
asseguradas umas quantas eternidades repletas de entretenimento.
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