sexta-feira, 26 de julho de 2013

O tédio da eternidade

Entediados com a perfeição do paraíso os deuses criaram uma bola de água, semeada aqui e ali, de promontórios de terra e ficaram a vê-la girar no espaço e à volta do sol por uma eternidade, mas como a eternidade nunca mais acaba, é mesmo muito, muito longa, entediaram-se outra vez. Vai daí inventaram umas plantas que nasciam, cresciam e morriam e divertiram-se por outra eternidade a vê-las  virarem-se para o sol que era sem dúvida a invenção mais genial que tinham conseguido até ali.
 Os deuses nem eram muito exigentes nisto de se divertirem- pelo menos não tanto quanto nós somos nos tempos que correm- o problema é sempre o mesmo: a eternidade custa mesmo muito tempo a passar… por isso, quando deram por ela estavam cansados de tanta previsibilidade outra vez. Impunha-se então outra criação e foi aí que surgiram os animais, sofisticação suprema de Thanatos que se orgulhava do poder de distração que encerravam as suas lutas pela sobrevivência, onde se faziam apostas no céu para ver quem  levaria a melhor numa corrida raiada de sangue onde os mais fracos, jovens e doentes perdiam quase sempre numa luta desigual. Isto sim, ajudou a passar os dias enfadonhos prenhes de tédio durante várias eternidades, mas…
Thanatos tinha agora má reputação perante os outros deuses  porquanto de uma forma ou de outra o produto da criação acabava sempre da mesma maneira; se não morressem numa das sangrentas lutas entre eles, morriam por outras causas várias ou devido ao que aos olhos dos deuses parecia uma predisposição natural para se entregarem, passado algum tempo, às mãos de Thanatos por sua livre vontade. É que isto da eternidade não é para qualquer um.
Posto isto, Ágape fez então uma exigência, cansado que estava com a  preponderância de Thanatos: os novos seres criados teriam a oportunidade de se livrarem de Thanatos bastando para tal que se entregassem de livre vontade a Ágape que tomaria então conta deles não os deixando morrer. Não- retorquiu Thanatos, isso seria fácil demais e não daria para nos  entreterem nem por meia eternidade quanto mais uma eternidade inteira; a única coisa que se poderia arranjar era fazê-los desejar, mas nunca encontrar Ágape. Assentiram, parecia-lhes bem que procurassem sem encontrar. Logo outra divina voz se levantou: “Eles não têm todo o nosso tempo, depressa se cansarão de procurar se nunca encontrarem nada…” Eros ofereceu-se então para servir como isco “ Eles pensarão que te encontraram, Ágape, sempre que depararem comigo, os que persistirem então na tua busca, conhecendo a diferença entre ambos serão, assim, recompensados e viverão para sempre. Olharam uns para os outros percebendo de imediato que abriam um precedente para que a sua criação se lhes equiparasse e se lhes juntasse na vida eterna.
Conheciam, porém, a força de poder e sedução de Eros e acreditavam que uma vez que o encontrassem, rapidamente, as mulheres e os homens-assim entenderam os deuses chamar à sua nova criação- esqueceriam Ágape e enredar-se-iam para sempre nos braços voluptuosos de Eros e esse enredo de dependência e apego seria suficiente para entreter os deuses viciados em palcos de atores vivos e verdadeiros cujas intrigas, prazeres, amor e morte dariam agora para os manter ocupados pelo resto dos seus intermináveis dias.
De facto, como previsto, homens e mulheres chegavam em catadupa e caiam  desamparados nas mãos hábeis de Eros que trabalhava em cooperação estreita com Thanatos; poucos eram os que- embora trouxessem dentro um desejo de Ágape- continuassem a busca: viam Eros e entregavam-se-lhes indefesos.
Assim continua até hoje, homens e mulheres distraindo e divertindo os deuses que sedentos de prazeres mundanos se deleitam concupiscentemente às tramas de amor carnal levadas a cena por mulheres e homens ignorantes e ingénuos  numa busca eterna, tão eterna como a vida daqueles que ajudam a entreter, condenados que estão a uma entediante eternidade. Necessitando de Ágape entregam-se, julgando encontrá-lo, nos braços de um Eros egoísta e caprichoso que os despacha , logo que possível, nas mãos impiedosas de Thanatos.

Só uns poucos sobrevivem, tão poucos que desde o começo da criação só se conhecem uns quantos que dão para contar pelos dedos de uma só mão. Mas temos de reconhecer que estes tiveram o privilégio prometido por Thanatos, nunca morreram, encontrando-se ainda na memória de mulheres e homens inspirando-os na busca, mas contribuindo para a sua desgraça e para gaudio dos deuses que esgotadas que estavam as hipóteses de novas criações têm assim asseguradas umas quantas eternidades repletas de entretenimento.

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