domingo, 21 de julho de 2013

Os meus primeiros sapatos novos

Lembro-me como se fosse hoje o brilho que eles refletiam, do alto da prateleira, alegrando o meu rosto miúdo. Eram os primeiros, não os primeiros que calçava, mas o primeiro par de sapatos novinhos em folha, virgens que não conheciam outros pés…
Eram vermelhos, de um vermelho escuro e raro o único vermelho que cai bem em sapatos. Tinham um pequeno salto de alguns centímetros que fazia crescer o ego adolescente sempre que os calçava…sentia-me outra e era outra; era mulher.
A minha avó que, ferozmente, sempre  negociara os sapatos usados que até ali eu sempre tinha usado, desdenhava deles dizendo que não eram lá grande coisa. Gostava do papel de ter de passar pela mesma barraca da feira da ladra até que finalmente o vendedor, cansado de tanto alarde, acedesse ao valor que ela estava disposta a pagar por eles. Era tiro e queda ela saía de lá feliz com a compra eu vinha amuada.
Mas com aqueles era diferente. Os meus primeiros sapatos novos tinha sido eu a escolher, ninguém nem mesmo a minha mãe tinha opinado a respeito. E lá saí eu do armazém do Chiado de peito estofado, sapatos novos calçados, como se mais alguém neste mundo que não eu pudesse saber o quanto tinha crescido em importância durante os poucos minutos que separavam a minha antiga da minha nova condição.
Esses sapatos vermelhos haveriam de ter formas mas só dos meus pés que  habituados que estavam a ser sempre eles a ter de se adaptar às formas dos sapatos que outros pés primeiro  tinham moldado aguentavam, assim, bravamente, as bolhas que iam surgindo por terem sido escolhidos pela aparência. Vingava-me desta forma da mesma lenga- lenga que tinha crescido a ouvir dizer sempre que me escolhiam uns sapatos: “que sejam fortes e feios.” Estes eram lindos e não prestavam, mas tinham o privilégio de serem os primeiros, novos, que eu tinha e como tudo o que é primeiro ganha uma relevância que de outro modo não teria, uma relevância tal que ainda hoje passados que vão tantos anos, ainda os recordo com carinho embora me tenham massacrado os pés.




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