sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Aventuras num hospital psiquiátrico

As paredes do hospital eram de um branco encardido e o cheiro, embora ali não houvesse feridas para desinfetar, era o característico dos hospitais como se o cheiro do sofrimento, fosse ele qual fosse, emprestasse às enfermarias independentemente da especialidade de pertença o mesmo cheiro antissético , o mesmo que embora fosse desnecessário poderia afastar o cheiro a calor humano, precioso, se existisse. O pijama largo e às riscas finas, azuladas era igual ao dos outros pacientes, farda imprescindível dos loucos e atrasados que conheciam o seu lugar e permaneciam cada qual com o seu distúrbio unidos num qualquer laço de familiaridade e não se percebendo bem porquê unidos contra o pessoal que prestava os (in)devidos cuidados de saúde; não tinha importância, contudo, se era bonita ou feia a indumentária, o aspeto físico há muito tinha perdido o interesse e enquanto me arrastava para o gabinete do psiquiatra, passos ainda cambaleantes, pensava já na forma de escapar daquele lugar o mais rapidamente possível. Era verdade que ainda nos cuidados intensivos tinha acedido ao pedido de me deixar internar na psiquiatria, muito por culpa dos tratos carinhosos que lá me tinham sido facultados, mas agora que me encontrava lá, junto com toda a panóplia de doenças mentais imaginárias, sabia que corria sérios riscos de ficar pior do que à entrada. Mais a mais quando me começaram a medicar sem ainda deixar de estar  intoxicada pela quantidade astronómica de barbitúricos que tinha ingerido para pôr fim a uma vida que se tornava de um cinzento insuportável, onde a graça e as cores já não existiam mais… A  enfermeira de serviço irritada  perante a minha resistência à tomada dos mesmos: “ então agora não gosta de comprimidos? Está muito esquisita para quem acabou de tomar uma dose extra.” Claro que ainda não tinha o crítico interno a funcionar bem e tratei-a mal com uma réstia das forças que me tinham sobrado da luta de meses contra uma depressão galopante. Fui acusada de não cooperar e o doutor que tão prontamente me tinha receitado as pílulas cujas cores garridas causam a dependência, muito por culpa da aparência lúdica que têm, achou por bem tentar trazer-se à razão pelo que me fiz ao gabinete pronta a confrontá-lo. Mostrou-se fino nos tratos e quase me convencia da superior vantagem que seria para mim naquele momento tomá-los, ainda turva das ideias do louco desvario que tinha tentado cometer, mas fingi ouvi-lo pois a lucidez começava a surgir e achei por bem aquiescer até porque a matrafona da enfermeira me tinha ameaçado forçar a toma dos mesmos com o recurso a camisa de forças, se preciso fosse, como se vê nos filmes: “é que vai à força se for preciso!” Vingou a minha rebeldia e intimamente até me divertia quando uma semana mais tarde diziam aos meus familiares poderem deixar-me sair, se assinassem um termo de responsabilidade, pois os antidepressivos, os mesmo que eu fingia tomar enquanto a matrafona me olhava pelo canto do olho para os despejar de seguida pela sanita abaixo, estavam a fazer efeito e eu estava a melhorar a olhos vistos.

Maria João Varela

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