Pensei em escrever um texto cheio de
argumentos em desfavor da praxe, mas depois pensei, para quê? Já alguém tentou
demover um defensor das touradas de barrancos da barbárie que comete, um
fanático religioso da sua crença ou um defensor ferrenho do seu clube futebolístico? Eu já, mas perco sempre…
e perco porque o que legitima a sua ação não são argumentos baseados na razão,
mas a emoção: a emoção dos golos marcados pela equipa, e emoção de ver um touro
sangrar na arena, a emoção de se saber mártir de uma causa para depois contar com 72 virgens no céu…
contra a emoção não há argumentos de razão… Nestes tempos uma das palavras mais
ouvidas é a tradição: “ nas tradições não se mexe…” eh pá, onde é que eu já
ouvi isto? O mesmo argumento servia
noutros tempos para legitimar o facto das mulheres não poderem votar, os homens
não poderem fazer lides domésticas, abusos de todo o género; arrepia-me e
sempre me arrepiou a palavra tradição quando serve para legitimar o mesmo
estado de coisas que não admite a razão, tenho-me lixado bem com esta postura,
mas é uma necessidade para mim fazê-lo,
é que tenho este vício de gostar de ver as razões por detrás daquilo que
faço, mas neste país isto é um crime que se paga caro, tão caro como o pagam os
estudantes que se oponham à praxe, vá lá sejam honestos haverá mesmo liberdade
de escolha? Não são ostracizados, segregados, minimizados os que se opõem?
Cabe-me fazer bem a distinção entre as
praxes, pois não há praxe, mas sim praxes. Há aquelas praxes que são
brincadeiras onde não há abusos, onde reina o respeito mútuo, onde os caloiros
não são levados a fazer figuras de estúpidos com orelhas de burro – aquele hábito
antigo e estúpido, lembram-se das professoras das escolas primárias? É pá é que
é mesmo chato ver rapazes e raparigas que até nem são estúpidos ou burros
fazerem – note-se, voluntariamente – figura disso; é que digam o que disserem: “
só percebe da praxe quem a viveu”, há todo um conjunto de absurdos que as
pessoas veem na rua e há sempre o velho ditado, que por ser velho também é
tradição “ Mais vale sê-lo do que parecê-lo; e as pessoas veem figuras de
parvo, figuras de javardolas, de mal “educadês” … E antes que me critiquem o
neologismo era isso que eu gostava de ver os jovens fazer: criarem coisas novas;
é que os palavrões com que se “acarinham” uns aos outros já são muito velhos,
tão velhos como as tradições absurdas que tão fervorosamente defendem; mas digo
já que só estou a a falar das tradições absurdas, aprecio o que vai ficando de
geração em geração impondo-se pela sua validade. Sou completamente a favor da
integração ao caloiro: estar numa cidade nova, pela primeira vez sozinho não é
nada fácil; só que, não sei porquê, não consigo é fazer a ponte entre acolher,
ajudar, integrar e os litros de vinho e cerveja entornados - para dentro e para fora -, gritos de
ordem de caloiros masculinos: “ eu a levar no cu não sou uma menina…” ; simulação
de atos sexuais; bosta a cobrir o corpo, ad infinitum; mas também reconheço que
deve ser uma limitação cognitiva minha.
Os pais estão preocupados, devido ao que
se passou no Meco, devido ao facto de serem perigosas as praxes, eu penso que
retirando o facto de ter, provavelmente, sido uma praxe que correu mal, os pais
descansem porque as praxes no seu geral não são perigosas: são estúpidas,
porcas e ridículas visando o tão
valorizado controlo social através do medo: haverá medo maior do que ser
desprezado? Gozado? Ridicularizado?
Também dispenso ouvir – para justificar
o injustificável - falar das amizades
que se fazem para a vida, da emoção de um fado cantado num timbre único e
emocionante – que adoro – do espírito de interajuda: estou em Coimbra e já
conheci gente oriunda de países que nunca imaginei, fiz amigos que considero
serem para a vida e vivi e vivo a emoção da minha faculdade fazer parte do Património
da Humanidade; surpresa : não fui
praxada…Se compro um pacote de bolachas sortidas sou obrigada a gostar de
todas? Mais um vicio tramado meu, só gosto das boas…Urge separar o trigo do
joio…
“Isto não é praxe”, “na minha faculdade
não é assim”, “ Chamam praxe a atos de desrespeito” É isso mesmo, insurjam-se
estudantes de Coimbra, e venham dizer de uma vez por todas então o que é… e
escrevam para ficar para a posteridade, para quando forem os vossos filhos a
entrar na Faculdade poderem reportar abusos sem serem penalizados e já agora
ensinem-lhes depois que as regras se podem sempre questionar e quem sabe
quebrar… E sejam sempre os primeiros a condenar os abusos em vez de quererem matar o mensageiro.
Maria João Varela
Maria João Varela
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