quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Que seria do amor?

Já passava da hora. A hora habitual quando te despedias em bicos de pés e com um afago nos meus cabelos largavas os lençóis que deixavas sem remorsos abandonados e frios, sombrios e sem as formas sedutoras com que os enformavas a eles. Tardavas. E eu perguntava por que haverias tu de te prolongar na tortura da despedida prolongando desse jeito o meu desespero também. Por que contam as horas para os amantes? O amor não tem hora. O amor apega-se à pele, entranha-se na carne e já não sai, nem à força das badaladas do sino da igreja que ciumento deixa as horas passarem mais depressa… Deixavas-me entregue aos mesmos desvarios, também eu só e abandonada. “Voltará?” Pensava eu. E os lençóis pareciam gemer com a dor da tua falta… caía-me uma lágrima. Tardavas. Eu enroscava-me um pouco mais saboreando de avanço a dor da partida na hora em que o amor parece mais forte pela força emprestada pela saudade… Respiravas fundo, dormirias embalado pelos momentos de amor vivido, num prolongamento sonhado? Ter-te-ias esquecido das horas? As horas, essas mesmas que tanto amor roubam aos amantes deixando um doce rasto de “já vivido”, uma doce e suave lembrança nas bocas sedentas de mais e mais prazer.   O amor não tem hora, nem idade, não cabe em cronologias humanas; é o castigo que os deuses dão encurtando a vida, acelerando as horas ao ritmo dos corações. Imaginava-te levantando-te, nu, trocando os lençóis pelas calças que ganhavam vida começando a andar… andar para longe. Por que razão sorrias agora? Olhava-te no teu enlevo e não queria mais nada, somente que não passassem as horas, as mesmas que apesar disso teimavam em acelerar. Tardava. Amanhecia quase, como era possível que te tivesses esquecido delas? Das mesmas que te roubavam de mim? Sabe-se que há amor quando as horas correm em vez de passarem no seu leve balançar. Chamei-te: “ amor, amor, são horas.” Nada. Só um suspiro mais profundo e mandaste as mesmas às urtigas. Agora mais forte: “amor, não te atrases” como se o amor se cingisse ao tempo, logo ele que é intemporal… “Hã? Ah, não te disse! Eu não vou, aliás, não vou mais…” Assim, sem mais. Acabavas-me com a promessa de um despertar agridoce, em que já eras só uma lembrança, em que o amor perdurava nos sentidos da memória e avolumava-se na tua ausência. E agora? Calavam-se as badaladas  do relógio que se sentia vingado podendo reduzir a marcha ao saber-te meu, sem outros entraves. Deixáramos de ser amantes sequiosos, os dias poderiam agora ser mais lentos,  seguir o ritmo habitual; fora-se a urgência, mas assim  sem despedidas nem cama vazia, sem o choro dos lençóis  sem o peso da partida, sem saudade, sem a minha lágrima, que seria do amor?   

Maria João Varela

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