Olha-me bem nos olhos, olha bem fundo nos meus
olhos de velho cansado e triste; o cansaço é do peso dos anos mesmo, mas a
tristeza, ai, a tristeza essa é do abandono. Sim, eu até posso estar abatido
pelos anos de trabalho, poderia até ter uma lágrima fugidia que me escorresse pelas
faces enrugadas que seria somente a saudade dos tempos idos de juventude, mas
se eu choro e a alma se me encarquilha tanto quanto a pele é pelo abandono.
Eu sei que tens medo. Tens receio de me olhares e
te veres espelhado, veres que também este será o teu destino quando a fuga não
for mais possível e tiveres de encarar a velhice, assim, cara a cara, quando
ela te mostrar que te apanhou; não darás conta, ela surripia-nos a juventude de
um dia para o outro: um dia somos novos, no outro velhos. E sabes porquê? Porque
fugiste. Porque te esquivaste a olhar-me, baixaste o teu olhar e isso é
simplesmente sinal que te rendeste. Cada vez foste aparecendo menos e menos vezes, privaste-me da tua
companhia e privaste-te de ires convivendo com ela de modo a lhe preparares a
chegada, aos poucos para não doer.
Não te iludas! Sendo bom sinal que vivas terás de
a enfrentar e só os homens e mulheres de coragem se atrevem; és cobarde, pois.
Já não sirvo para nada, pensas; mas enganas-te. Se
pelo menos me deixasses falar-te, me ouvisses – não muitas, mas algumas
lamurias – saberias como é quando ela te apanhar e te rachar os ossos e esgaçar
a carne, ah ela vai fazê-lo, não te iludas, se viveres ela fá-lo-á.
Aos mais sortudos lá se arranjam lugares próprios
onde se podem lamuriar uns com os outros, mas aí sim, as lamúrias de nada
servem todos já foram apanhados por Ela. Não tem dó nem piedade essa maléfica
criatura que não podia deixar de ser feminina pois tal como no amor, também te
endromina aos poucos, mas quando dás por ela estás completamente apanhado, por
muito que tentes não escapas à teia que engenhosamente te teceu com a paciência
que só tem quem se sabe infalível nos intentos. Por isso, far-te-ia bem teres
coragem de homem e olhares-me o corpo curvo, as peles de sulcos profundos e o
andar arrastado e muitas vezes acompanhado dos ais próprios da idade, ensinar-te-ia
como ao abrires-Lhe as portas aos poucos e Lhe sorrires ela perde um pouco
aquele ar aterrador e se faz acompanhar duma amiga bem mais agradável e a única
capaz de tornar os seus diálogos suportáveis; se viesses, ensinar-te-ia e eu já só
teria o corpo engelhado, a alma não ; mas tu foges como eu fugi e assim só te
resta seres apanhado como eu fui: um dia olhei-me ao espelho e vi que ela tinha
chegado…
Maria João Varela
Maria João Varela
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