domingo, 29 de dezembro de 2013

Fobias

E quando por algum motivo acabava sozinha, plantada no meio da multidão, num local público qualquer,  por algum amigo que me acompanhasse precisar de se ausentar por momentos, de repente, como por artes mágicas todos os olhares se viravam para mim; não sei como, mas descobriam que me encontrava sozinha, perdida, abandonada. Alguns riam de mim, aos cochichos uns com os outros, e comentavam que eu não era digna de companhia, ninguém gostava de mim, eu sabia que começando a andar iria parecer estranha, desengonçada, mas tinha de sair dali rapidamente,  começava a dar-me calafrios e ora a transpiração era quente, ora fria, deixando-me as mãos pegajosas…  Começava depois a sentir o coração aos coices lembrando-me que estava em perigo de vida e que se ficasse ali iria ter um ataque; a verdade é que parece que o filme da minha vida tinha parado de passar e só aqueles olhos pareciam aumentar de tamanho até ficarem gigantescos e eu pequenina e tremente qual cria acabada de nascer e que é deitada ao mundo sem o consolo da mãe; lá ficava paralisada no meio de toda a hostilidade do mundo; ganhava então um pouco de coragem e desviava-me para um canto, longe dos olhares reprovadores e à medida que me afastava mais e mais do foco do perigo e me ia sentindo mais e mais calma, tudo parecia voltar à normalidade, cada um conversando com os amigos ou família, os olhos voltavam ao seu tamanho e já pareciam não me ver. Acabava, assim, por me sentir em paz com a decisão de me esconder e evitar ser vista, mas bem lá no fundo pressentia que da próxima vez iria ser ainda pior… A questão é que me parecia sempre que tudo se passava como se eu já não estivesse aos comandos da minha própria vida, como se toda aquela situação  estivesse à partida escrita por qualquer guionista, onde eu só tinha de representar o papel que me tinha calhado. Pensamentos, emoções e até a fuga para um canto remoto da sala pareciam acontecer como se uns se seguissem aos outros, de um modo encadeado como contas de um rosário,  e ser impossível um outro desenrolar da história: a coisa era-me servida num pacote; tinha comprado o pacote todo, tinha de o usufruir por inteiro…  E parecia vir de muito longe todos os acontecimentos, de um tempo em que, ainda criança, me tinham dito « Não prestas, sai daqui,» de um tempo em que era posta de lado, em casa e na escola. Lembro-me como se fosse ontem, ou hoje de manhã, da primeira vez em que a professora chamou o meu nome da sua secretária e todos aguardavam a minha resposta, aí foi como se eu me tivesse movido e com um impacto brutal tivesse chegado ao pé dela e respondido ao que me era pedido, sem nunca ter saído do lugar.
Maria João Varela

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