sábado, 7 de dezembro de 2013

Velhos

Olha-me bem nos olhos, olha bem fundo nos meus olhos de velho cansado e triste; o cansaço é do peso dos anos mesmo, mas a tristeza, ai, a tristeza essa é do abandono. Sim, eu até posso estar abatido pelos anos de trabalho, poderia até ter uma lágrima fugidia que me escorresse pelas faces enrugadas que seria somente a saudade dos tempos idos de juventude, mas se eu choro e a alma se me encarquilha tanto quanto a pele é pelo abandono.
Eu sei que tens medo. Tens receio de me olhares e te veres espelhado, veres que também este será o teu destino quando a fuga não for mais possível e tiveres de encarar a velhice, assim, cara a cara, quando ela te mostrar que te apanhou; não darás conta, ela surripia-nos a juventude de um dia para o outro: um dia somos novos, no outro velhos. E sabes porquê? Porque fugiste. Porque te esquivaste a olhar-me, baixaste o teu olhar e isso é simplesmente sinal que te rendeste. Cada vez foste  aparecendo  menos e menos vezes, privaste-me da tua companhia e privaste-te de ires convivendo com ela de modo a lhe preparares a chegada, aos poucos para não doer.
Não te iludas! Sendo bom sinal que vivas terás de a enfrentar e só os homens e mulheres de coragem se atrevem; és cobarde, pois.
Já não sirvo para nada, pensas; mas enganas-te. Se pelo menos me deixasses falar-te, me ouvisses – não muitas, mas algumas lamurias – saberias como é quando ela te apanhar e te rachar os ossos e esgaçar a carne, ah ela vai fazê-lo, não te iludas, se viveres ela fá-lo-á.

Aos mais sortudos lá se arranjam lugares próprios onde se podem lamuriar uns com os outros, mas aí sim, as lamúrias de nada servem todos já foram apanhados por Ela. Não tem dó nem piedade essa maléfica criatura que não podia deixar de ser feminina pois tal como no amor, também te endromina aos poucos, mas quando dás por ela estás completamente apanhado, por muito que tentes não escapas à teia que engenhosamente te teceu com a paciência que só tem quem se sabe infalível nos intentos. Por isso, far-te-ia bem teres coragem de homem e olhares-me o corpo curvo, as peles de sulcos profundos e o andar arrastado e muitas vezes acompanhado dos ais próprios da idade, ensinar-te-ia como ao abrires-Lhe as portas aos poucos e Lhe sorrires ela perde um pouco aquele ar aterrador e se faz acompanhar duma amiga bem mais agradável e a única capaz de tornar os seus diálogos suportáveis; se viesses, ensinar-te-ia e eu  já só teria o corpo engelhado, a alma não ; mas tu foges como eu fugi e assim só te resta seres apanhado como eu fui: um dia olhei-me ao espelho e vi que ela tinha chegado…

Maria João Varela



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