terça-feira, 10 de setembro de 2013

Espelho partido

Hoje queria falar-te porque já fui tu. Sei como é quando os dias nos pesam como quando a neve dobra mesmo os galhos mais grossos das portentosas árvores, obrigadas agora a uma deferente vénia. Sei como é ver todos os olhos postos em nós sem estarem, como no meio de um palco imaginário onde fôssemos uma vedeta ocasional e o peso das iris sobre nós nos fossem estrangulando ganhando uma força sobrenatural. Ergue-te! Ninguém te vê. Cada qual seguindo a sua luta, cada qual com o seu medo, todos têm terrores.
Hoje queria dizer-te que és linda na tua imperfeição, nas tuas assimetrias é que te tornas tu, ser inimprimível , rara túlipa negra. Ergue-te! Ergue-te e verás o mundo de um outro ângulo, verás o que te digo hoje que já passei por ti; já fui assim pesando-me os olhares, as sombras, os prantos calados de patinho feio, as inseguranças… Vê ao menos como tem encanto o teu sorriso inocente e vive plenamente na tua pele. Se me pudesses escutar, para além do tempo que já passou, se te pudesse assegurar que serás segura e terás orgulho na linda mulher que serás, nas tuas incongruências e arestas por limar, mas mesmo assim serás sempre linda. Nunca ouças as vozes dos que te diminuem porque temem o teu brilho, não te apagues para lhes dares razão no que dizem.
Olha-me para além das brumas do tempo que te farão chegar a mim e deixa essa tristeza; se ao menos pudesses ver todo o esplendor que exalam os teus poros, a beleza que se dá aos poucos a conhecer, sem plumas espampanantes, mas em suaves tonalidades e texturas. Se visses o que eu vejo, mas me era vedado quando era tu.
Levanta a cabeça e olha o mundo à tua volta sem comparações pois comparar dois seres humanos é como olhar o céu numa noite de verão para comparar as estrelas, apenas o que importa é apreciá-las, cada uma com seu tamanho e sua luz própria, levanta os ombros e sê a tua melhor amiga, ou então deixa-me ser eu que te conheço bem, se vives acabrunhada, fui eu que assim vivi, se sofres por distorceres a tua imagem, essa sou eu, se te esmagam os olhares foi à minha versão antiga que esmagaram.

 Eu sou tu com a experiência que os anos me foram dando e aprendi que era bela julgando-me feia; é que tinha um espelho partido dentro e mesmo quando o espelho cá fora mais objetivo, mas também menos entendedor nas artes, dizia que não estava nada mal, mesmo assim esse espelho interno, subjetivo e cheio de vozes alheias, medos, comparações, negava-o . Esse espelho interno  partiram-no pessoas, umas mal intencionadas, outras apenas míopes para as incomensuráveis nuances que a beleza adquire, feita que é de pequenos gestos quase impercetíveis, expressões, tons, cheiros e sabores… Para perceber a beleza é preciso ter olho para a arte e porque rareiam olhos de perito é que tantas raparigas da tua idade se sentem feias. Depois, quando nós mesmas desenvolvemos esse dom, ou à custa de tanto olharmos pelos olhos do amor, o espelho conserta-se e percebemos que nos deixámos enganar por um artefacto que apenas necessitava de conserto.

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