sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Haveria casamento?

Era um daqueles dias em que o espelho estava mal disposto e por mais que ajeitasse os cabelos e desse palmadinhas no rosto para ativar os canais sanguíneos não conseguia que ele me fosse amável. Não valia a pena continuar a mirar-me, quando ele queria, tinha de sair para a rua com a imagem que ele me devolvia maldisposto…
Sentindo-me um trapo, galguei apesar de tudo os três patamares de escadas e fui-me encontrar na rua já movimentada devido ao avançar rápido das horas, onde os carros se queixavam com ruidosas buzinadelas, a chuva, acabada de sair da toca depois de meses de ausência dava um toque final ao caos pois tinha apanhado a maioria desprevenida e enquanto alguns se abrigavam tentando manter-se a seco, outros precipitavam-se aos encontrões para se conseguirem enfiar em algum autocarro, com certeza sobrelotado àquela hora da manhã. Molhei-me toda também pois embora com um guarda chuva, este era dos que se lhe entortam as varetas à mais pequena brisa; nada que não fosse de esperar, já que a própria vendedora à minha pergunta sobre a duração do mesmo me tinha respondido com um reconfortante: “ Só custa dois eulos”.
Sacudi levemente os cabelos que se grudavam à testa pingando pelos ombros e braços e contrastando com o húmido das costas que se devia à corrida até ao autocarro fazendo uma espécie de encontro entre dois climas contraditórios, deixando o desconforto vir-se juntar à má disposição com a imagem matinal que o espelho me tinha atirado. Para culminar, o nariz começou a pingar como que a reclamar pela falta de atenção para com a sua sensibilidade e com as mão ocupadíssimas pelos trastes de inverno não consegui travar a tempo um fio fino que sem esperar que eu pousasse os pertences me cai pelas narinas arfantes e me vem macular o casaco.
Atrapalhada, desconfortável, um traste humano que mais parecia um traste humano mesmo, dei de caras com a figura elegante e sorridente da minha paixoneta do momento que me olhava divertido do fundo do autocarro e me apontava um lugar para eu me sentar, mesmo ao lado dele, o qual declinei pois como é obvio mulher que se preze prefere passar por antipática e arrogante do que por ranhosa em terra de gente limpa e seca.
Saí esbaforida na paragem seguinte quando ainda faltavam duas paragens para o meu destino que palmilhei encarnada de fúria por me ter pregado o destino tal partida: há que séculos tinha desejado uma oportunidade por me aproximar daquele homem que me povoava as fantasias e ela tinha chegado no momento mais inoportuno e tudo porque culpa de um espelho que me tinha dito ser feia quando ainda não estava bem acordada para o contradizer, uma chuva que tinha teimado em cair descontroladamente para cima de um chapéu por quem nem a dona tinha tido grande esperança que deixasse alguém a seco e pela falta de um lenço que a tempo e horas me poupasse do estigma de ranhosa.

Quem sabe por culpa de tais objetos insignificantes se tenha perdido um casamento?

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