Era um daqueles dias em que o espelho estava mal
disposto e por mais que ajeitasse os cabelos e desse palmadinhas no rosto para
ativar os canais sanguíneos não conseguia que ele me fosse amável. Não valia a
pena continuar a mirar-me, quando ele queria, tinha de sair para a rua com a
imagem que ele me devolvia maldisposto…
Sentindo-me um trapo, galguei apesar de tudo os
três patamares de escadas e fui-me encontrar na rua já movimentada devido ao
avançar rápido das horas, onde os carros se queixavam com ruidosas buzinadelas,
a chuva, acabada de sair da toca depois de meses de ausência dava um toque
final ao caos pois tinha apanhado a maioria desprevenida e enquanto alguns se
abrigavam tentando manter-se a seco, outros precipitavam-se aos encontrões para
se conseguirem enfiar em algum autocarro, com certeza sobrelotado àquela hora
da manhã. Molhei-me toda também pois embora com um guarda chuva, este era dos
que se lhe entortam as varetas à mais pequena brisa; nada que não fosse de
esperar, já que a própria vendedora à minha pergunta sobre a duração do mesmo
me tinha respondido com um reconfortante: “ Só custa dois eulos”.
Sacudi levemente os cabelos que se grudavam à
testa pingando pelos ombros e braços e contrastando com o húmido das costas que
se devia à corrida até ao autocarro fazendo uma espécie de encontro entre dois
climas contraditórios, deixando o desconforto vir-se juntar à má disposição com
a imagem matinal que o espelho me tinha atirado. Para culminar, o nariz começou
a pingar como que a reclamar pela falta de atenção para com a sua sensibilidade
e com as mão ocupadíssimas pelos trastes de inverno não consegui travar a tempo
um fio fino que sem esperar que eu pousasse os pertences me cai pelas narinas
arfantes e me vem macular o casaco.
Atrapalhada, desconfortável, um traste humano que
mais parecia um traste humano mesmo, dei de caras com a figura elegante e sorridente
da minha paixoneta do momento que me olhava divertido do fundo do autocarro e
me apontava um lugar para eu me sentar, mesmo ao lado dele, o qual declinei pois
como é obvio mulher que se preze prefere passar por antipática e arrogante do que
por ranhosa em terra de gente limpa e seca.
Saí esbaforida na paragem seguinte quando ainda
faltavam duas paragens para o meu destino que palmilhei encarnada de fúria por
me ter pregado o destino tal partida: há que séculos tinha desejado uma
oportunidade por me aproximar daquele homem que me povoava as fantasias e ela
tinha chegado no momento mais inoportuno e tudo porque culpa de um espelho que
me tinha dito ser feia quando ainda não estava bem acordada para o contradizer,
uma chuva que tinha teimado em cair descontroladamente para cima de um chapéu
por quem nem a dona tinha tido grande esperança que deixasse alguém a seco e
pela falta de um lenço que a tempo e horas me poupasse do estigma de ranhosa.
Quem sabe por culpa de tais objetos
insignificantes se tenha perdido um casamento?
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