Aqui e ali, quebrando a monotonia da
paisagem, esparsas nuvens de um cinza desbotado afastavam-se em leves baforadas
que a terra parecia exalar. Numa longa e profunda inspiração contemplei a
paisagem de beleza agreste querendo guardar o momento em toda a sua
complexidade de detalhes; quis gravar cada tom de verde dos formosos pinheiros,
cada tonalidade do amarelo das elegantes giestas, o tilintar longínquo do
sinete nos pescoços longos e elegantes das cabras que saltitavam pelos
escarpados rochedos.
Que encanto poderia existir nestes montes
inférteis e quietos, desprovidos de tudo aquilo a que estava
habituada, das luzes cintilando perpetuamente e dos movimentos frenéticos
onde não há espaço para reflexões profundas, em que tudo é efémero e de uma magia
desnorteante? Que sensação de esvaziamento profundo e
simultaneamente repleto de significado era aquele? Conheceria finalmente o
sentimento de felicidade? Ali? Sem mais nem menos? Sem motivo algum?
Resolvi sentar-me e enterrar os pés
descalços na terra maltratada de invernos rigorosos, e assim fiquei pelo que
pareceu uma eternidade sem nada fazer, a não ser, apreciar o facto de estar
viva e preenchida de todos os bons sentimentos que emergem quando menos os
esperamos. Apercebi-me naquele instante que tudo aquilo por que lutava parecia
insignificante diante da paisagem inebriante que se estendia diante de mim e
prometi que me daria, dali por diante, mais momentos destes, sem princípio nem
fim, em cujos intervalos a vida apenas se desdobra em acontecimentos sem
significado aparente. Sentiria o aflorar de uma leve hesitação? Porquê este
sentimento agora como se pertencesse àquele lugar e nada fosse mais importante
no mundo do que ficar embevecida a contemplá-lo?
O som, ao longe, do sino da pequena igreja
tirou-me do devaneio e uma ligeira brisa fez-me voar os cabelos trazendo o
aroma do campo, sempre puro, que rejuvenescia a alma. Faria bem em partir?
Levantei-me e absorvi tudo o que podia da bucólica paisagem. É na partida
quando queremos tudo abarcar pois já nos falta o que ainda temos; temos
sem ter, já não sentimos nosso o que está diante de nós e mesmo a olhar, tocar,
sentir, mesmo assim não é nosso. Até o doce nos parece mais doce e a brisa mais
fresca, o que era feio agora é bonito e o aborrecido ganha novos encantos
descobertos à última hora enquanto perguntamos porque não olhámos
com mais atenção enquanto havia tempo… Agora já não há. Resta a nostalgia e a
leve esperança de regressarmos um dia e vivermos o que nos faltou viver agora.
Porque nunca nos é dado saber que
aconteceria se fôssemos por um lugar diferente daquele que acabamos por
seguir?
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