Somos atores sem papel principal
cuja cortina fechará sem que seja dado o toque que anuncia o final do último
ato, sem que tenhamos a oportunidade de agradecer os aplausos a um público, um
tanto ou quanto delirante, a quem
ajudámos a sustentar os dias…
Que falta de pudor! Como nos pode
ser negado esse legítimo direito ? Como podemos desconhecer esse importante
dado sobre nós? Todos vão saber, todos menos nós, pobres ignorantes,
embriagados que estamos ainda pelas luzes do teatro da vida. Continuaremos a
sorrir, como se nada fosse, a representar um papel mais ou menos fidedigno como
se hoje fosse, eternamente, o prelúdio do amanhã, como se o sol lá estivesse
para sempre e nos cumprimentasse pelas
frestas entreabertas das persianas, trazendo toda a existência em partículas de
luz…
Porque temos de compartilhar esse momento em
que voltaremos à essência primordial? Sem qualquer outro adereço senão uma data
desconhecida que se segue ao terrível traço que embora nada mais seja que um insignificante
sinal de escrita separa, aqui, dois vácuos eternos preenchidos, somente, por uma
centelha da nossa existência; grande segredo nos ficará para sempre vedado…
Continuaremos a peça, escrita
para nós por mãos feiticeiras e imaginárias, com o mesmo fulgor de um
principiante que aguarda, a medo, a ascensão, o dia em que se tornará o
protagonista do enredo. Representaremos o nosso papel durante um pestanejar do
universo, um bater de asas diáfanas, um relampejo do cosmos, esquecidos da
finitude da trama que, apesar de tudo, prosseguirá sem nós. Não há que esperar!
A peça não tem hora de acabar e esse guião não contempla a vontade do ator nem
os seus esforços de representação.
Deturpemos a peça, agradeçamos ao
público sem esta ter terminado, mas sobretudo sejamos nós o protagonista da
história da qual reescrevemos o guião para que o elenco, embora siga em frente
sem nós, se recorde da história impar que partilhámos e em que cada um era a
estrela da sua própria peça.
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