Quero ter olhos de poeta ,
ver para além da existência;
olhos de turista: curiosos e atentos
que escrutinam o mundo em busca da essência.
De que vale viajar
sem ser poeta nem ter visão de turista?
Quero perscrutar para além do espectro de luz visível
o que só a alma nobre avista.
Quero a sensibilidade do artista
que sente o que é inefável nos seres:
a hesitação na asa da águia no seu voo picado;
o leve deslizar da dança de um cisne num lago gelado;
a tristeza por trás do sorriso de um velho solitário;
a leveza do vento quando lhe obstruo a travessia.
Quero ouvir o marulhar das ondas
no seu monólogo perpétuo,
entender as vozes que só ele deixa ouvir:
versos cantados de um amor atraiçoado e febril,
carregado de falsas promessas;
ou quem sabe o desespero de quem no mar se abandonou,
e no grito da sereia se alegrou.
Quero, sofregamente, sorver cada gota de sol na alvorada
apreciar o momento exato em que se abandona à volúpia e se banha no rio,
enchendo de ouro as suas águas que me salpicam a pele
quero a chuva que me castiga , o cheiro a terra molhada.
Quero viver no fio da navalha,
qual inseto que só vive uma manhã
cair num abismo sem retorno,
cheirar o aroma fresco da hortelã.
Quero sentir a vida palpitar-me nas entranhas
e não parar para pensar se estou certa ou errada, se posso, se devo.
Quero viajar na escuridão da existência,
mergulhar na angustiante passagem do tempo,
os meus terrores escondidos conhecer
as palavras que não tive coragem de dizer,
transcender o ser tenebroso que ora me habita, ora se vai sem avisar;
amar sem vergonha nem medo de acabar…
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