Se dúvida alguma houvesse ainda
no meu espírito ela ter-se-ia dissipado hoje, pela manhã.
Eram ambas caquéticas: vestidos desalinhados
pelas posturas pouco eretas que o avanço da idade já não permite poses de
manequim; sapatos cambaios, condizentes com os avançados joanetes e peles
pendentes com falta de colagénio. Falavam gesticulando. Pelo jeito diria que se
conheciam desde há muito tempo. Falavam das dores de ambas, quem sabe na
esperança mútua de que as dores alheias, por serem maiores, ajudassem a minimizar
as próprias dores. Ao passar por elas, já se despediam e pelo canto do olho
pude ver o olhar de alto a baixo que uma deitou à outra-que já seguia, trôpega,
a sua vida.
Era daqueles olhares reprovativos que nós,
mulheres, bem conhecemos e com os quais costumamos prendar as rivais quando
achamos que se armam em boas e que sobem demais a bainha da saia angariando,
deste modo, mais olhares masculinos. Tudo bem, já aceitei que nós nos vestimos
para fazer inveja às outras mulheres e não para agradar os homens; que nós
avaliamos as outras-mesmo inconscientemente- para nos certificarmos que não
estão à nossa altura, mas naquelas idades? Que pensaria a senhora de olhar
reprovador? Que a outra mostrava um pouco mais dos artelhos do que os bons
costumes costumam aconselhar? Bom, talvez isso seja apenas sinal de que é mais
corcunda, seguindo o vestido a tendência natural de subir de um lado e baixar
do outro, e por isso mesmo deveria dar graças…
Não restam pois dúvidas de que se
formos prendadas com muitos e muitos anos de vida continuaremos a ter, até ao
fim, os mesmos olhares rivais femininos de outros tempos, embora nos faltem,
talvez, os masculinos que justificariam os primeiros…
Sem comentários:
Enviar um comentário